A pequena avenida atapetada de pedra cinzenta amaciada pelo tempo e pela invernia, de arestas carcomidas pelo desgaste da memória desemboca numa casa anterior a si própria, pobre de granito esbatido pelo vento e vergado pelo tempo, coberta de telhas musgosas onde pontilhavam outras pedras que lhe conferissem peso às agruras do vento norte.
Ao portão ferrugento da casa pobre, um cão pobre lambia as mazelas dos ossos macerosos que lhe rompiam o pêlo nas articulações das patas em pústulas nojentas. O gato pobre em cima da figueira descabelada pelo outono tardio olhava ansioso um pobre pássaro engaiolado pela prisão do tempo convertido em finas tiras de velhas tábuas que lhe traziam a saudade, a senilidade estática de um passo curto sem asa.
Assim de fora ouvia-se o crepitar de um fogo alimentado pelo sopro de uns pulmões velhos e por cada inspiração ouvia-se uma espécie de guinchar de travões vindo lá do fundo num eco baixo mas ensurdecedor à sensibilidade humana. A velha pobre expirava depois num esforço esvaído de corpo curvado e combalido, olhos cinzentos como a pedra da calçada, ossos esticados em fome pungente.
O arrastar dos tamancos do velho pobre anunciavam a sua chegada vindo das traseiras onde desafogou os interstícios carregando o cheiro a mijo como uma aura à sua passagem.
O cão ganiu, o gato miou, a velha guinchou e o pássaro piou, trovejou o céu mal disposto e o velho mandou a puta da pobreza para o caralho. Morreu fulminado por um bafo de pobreza, num sopro de santidade devota a um Deus que o esqueceu, a ele e a todos os pobres, da casa que jaz no fundo da avenida cinzenta, encimada pela igreja orgulhosamente caiada de branco.