Inventário
Quero a partida breve como a chegada
Plena e tranquila, mas letal como um raio
Como a lucidez de um vôo rasteiro de águia
Mas simples como um banho nu de cascata
Na partida quero as certezas das metáforas
Disparadas durante as tempestades
Que os adjetivos sejam postos e os substantivos próprios me cerquem de luz
Quero poesias transitando, vivas
E cada verso acaricie os amores que respirei
Transbordando nas lágrimas fabricadas
Que cada alimento cultivado em estrofes
Brotem sementes dessa passagem
Que as cédulas sejam atiradas ao fogo
Cremadas com as vaidades vãs
Atiradas aos jardins da piedade
Nessa partida, retratos expostos
Das manhãs pecadoras, das tardes embriagadas, das noites promíscuas
Que a lua esteja presente, límpida
Como uma noiva já despida ao prazer
Que cada face seja anfitriã de um amanhecer
Que cada olhar aviste os momentos
Dos rascunhos de outrora
Da infância perdida, do carinho roubado
Da fome saciada em pedaços
Da sede torturada em sonhos, aos goles
Que o aconchego das meninas
Sejam doses etílicas de saudades
Destiladas ao prazer rompido
Na partida, do véu rasgado, revelado
Esteja o perdão como frutas maduras
Caídas ao chão, recolhidas, degustadas
Que o mar seja um poeta voraz
Com as ondas recitando Nietzsche
Afogando temores, revelando amores
Nessa travessia, quero corpos e almas nuas
Com corações flambados de paixões
Mas que essa partida esteja perdida
Que não ouse nos atalhos apressados
Dessa estada que me encontro
Onde me lambuzo de vida, vida, vida...
(M.Bessa)
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