Convivo bem
com a minha sombra,
esse meu lado claro.
Sou boa companhia
desse flanco pálido e leve,
tão frio e suave como a neve
fria.
Não careço do outro para saber que presto,
não imito nem sou a cópia de qualquer gesto
Acho-me uma certa graça,
rio da minha cara feia
quando, triste, ela passa,
quando, ridícula, passeia.
Incerto dia, esse corte de luz
contou-me uma história sombria
e eu chorei e gritei quando supús
que cantava e que era uma poesia.
Vivo bem com espelhos,
com auto-retratos,
com a tromba dos lagos parados, e nas poças mínimas...
Falo sozinho.
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.