Um outono não convidado chuvoso e carrancudo, invadiu meu apartamento, minha vida, deixa nuvens cinzas nos quartos, uma luz tímida na cozinha e no banheiro, e um peso de saudades do verão em minha cabeça.Frio os meus pés, mãos, me intranqüiliza na novidade que é e sinto, outono diferente, que as águas de março inauguram todos os dias.Deixando para traz o verão que fecharam com Jobim. Abro as janelas de minha sala semi-escura para entrar toda a luz de um sol acanhado que se esconde tímido por traz das nuvens cinzentas. Nos breves intervalos de estio, minha família de sabias me brinda com seu talento canoro e me faz lembrar, verões e primaveras.Tenho que me acostumar a este outono jamais vivido, como jamais vividos são todos os dias.Uma chuva lenta elegante e fina, acinzentando ainda mais minha cidade cinzenta dá-lhe ares Europeus, vejo os prédios manchando-se da água mansa da chuva, formando sombras nos parapeitos e janelas, nas paredes formam desenhos que vão se adelgando a um filete de agua, nas ruas o asfalto molhado reflete como um espelho o vulto rápido dos carros.Me reconforto pensando nos benefícios do tempo, na necessidade das águas, nas plantas, na terra, na vida. Pego meu casaco, meu guarda chuva e vou me molhar neste março quase findo, e lavar com a chuva deste outono o meu verão sonolento.Qualquer dia em São Paulo.
Carlos Said