Poemas : 

GERALDO

 
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#GERALDO

Era ainda madrugada...
Cobertas frias...
Abandonou o leito...
Contra gosto...

Não tinha jeito...
Era pra ser feito...

Esposa ainda dormia...
Grávida sonhava...
Que em algum dia...
Sua vida melhoraria...

Casa pequena...
De dois cômodos apenas...
Dividida por cortinas...
Surradas chitas...

Paredes de madeiras...
Telhado de amianto...
Um gato velho e magro...
Que dormia em qualquer canto...

Olhou com ternura ...
Para sua amada...
Com dó no peito...
Para sua mãe idosa, acamada...

"Até quando ela sofreria?"
Pensava...com grande pesar...
Resignado...
Ao que nada poderia mudar...
As duas mulheres que mais ele amava...
E por quais era muito amado...

Arrumou sua marmita...
Colocou em sua surrada mochila...
Sem fazer barulho...
Com zeloso cuidado...
Tinha que ir ao trabalho...

Tanto frio...
Blusa esburacada...
Sozinho...
Naquela rua abandonada...
Tão longe ainda estava...
A alvorada...

"Vai Geraldo...Vai trabalhar...
Nas sombras das sarjetas...
Só os ratos a lhe olhar..."

Vielas tortas, escuras...
Sujas...
Esgoto a céu aberto...
Único som na hora...
Eram de seus chinelos...

Mas sem medo...
Adiante ia...
Em Deus confiava...
Não temia...

No ponto de ônibus...
Um cigarro ascendeu...
Esquentando a mão...
Afugentando a solidão...

Enquanto o ônibus não vinha...
Na fumaça que subia...
Para Deus orava...
E pedia...
Um término na tristeza de sua vida...
Naquele dia...

"Devemos ter muito cuidado...
Com nossos pedidos...
Vai que um anjo escuta...
...E vai ser concedido..."

Condução chegou...
Como sempre lotada...
Viajando em pé...
Pernas já ficaram cansadas...

Era apenas uma lotação...
Tinha mais uma pela frente...
Pesaroso sabia...
Que adiante , mais e mais gente...

Enfim...
Chegou ao trabalho...
Pela manhã...
Já estava suado...

Por momentos esteve alegre...
Ouviu vários bons dias...
De seus amigos tantos ou mais como ele...
Desafortunados...

As mãos calejadas...
Fortes e grossas...
Eram leves...
Na pele...
De sua cabrocha...

Aquele dia...
Seria de grande alegria...
Poderia levar para casa...
Um pouco de carne moída...

Seria sustância para a mãe doente...
Para o filho que viria...
Também teria...algo mais...
A colocar...
Em sua pobre marmita...

Sua amada saberia ...
Como preparar...
E naquela noite...
Já antevia...
Muito amar...
A esposa querida...

Sorrindo...
Refez todo percurso de volta...
Esqueceu de todo cansaço...
Só lembrando dos amigos...
As brincadeiras e lorotas...

Comprou o que desejava...
E ainda sobrou uns trocados...
Sentiu-se um grande homem...
Recompensado...

Já era tarde...
Quase noite...
A rua estava cheia...
Bem diferente...
De quando acordara...

Fogueteiros de olho...
Comércio cheio...
Não estava a tudo alheio...
Nem ao forte cheiro...
Do baseado....

Então, de repente...
De cores o céu se fez...
Tiros...
Estampidos...
Correrias...
Confusão...
Olhos apavorados...
Pessoas correndo...
Sem direção...

Uma bala perdida...
De onde veio...
Ninguém sabia...
Encontrou Geraldo...
Que não merecia...

Naquela noite...
No triste casebre...
Não teve mais alegria...
A cabrocha chorou...
A mãe doente mais ficou...
E o velho gato..
Nada compreendeu...
E deitado ficou...

E para a história terminar...
Tão triste para mim...
Lhe contar...
Só teve uma alegria...

Na sarjeta suja e fria...
Comemoravam com sua cria...
Gorda ratazana, velho rato...
Em festa a carne moída...

Desconheciam a triste sina...
De Geraldo...
E sua família...

Sandro Paschoal Nogueira

 
Autor
Conservatória
 
Texto
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