Sem motivo ou porque não tive
Um momento meu neste dia
Quero ir com a alma livre
Ser da noite companhia
E se algo houver que me avive
A inspiração, ou talvez não
Faço desta vida o meu livro
Que quero ter sempre à mão.
Mas abre-se em mim ao acaso
E por acaso me troca as voltas
No desacerto em que me atraso
Para juntar as páginas soltas
E sem marcador e sem prazo
Estas leituras sem escrita
São gotas num olhar raso
Que purificam a alma dita.
Pena as páginas perdidas
Nesta memória sem título
Tantas que não foram lidas
Num contexto sem capítulo
Foram por raivas incontidas
Algumas de mim, rasgadas
E para remédio das feridas
Foram outras apagadas.
E nas páginas que reinvento
Sem licença nem cerimónia
Como o silêncio luarento
No propósito desta insónia
Misturo o triste cinzento
Com o negro da solidão
E contrasto este tormento
Com fé noutra paixão.
Nas cores em que me implico
A rotina esconde-se, incolor,
Dum sonho que não abdico
Com rosa de mulher em amor
Com um abstrato tão rico
Do livro que me vai folhear
Neste momento em que fico
Até o sono me levar.
Nascer para ser feliz