Poemas : 

O último autocarro

 
Apanhei o último autocarro
E parti,…
Sem olhar para trás,
Porque o tempo também não anda para trás,
Quer por ciúme ou mágoa
Mesmo que se recue em passos largos de dança
Com travagens bailarinas
Dentro dos autocarros.
Apenas segue,…
Assim sigo eu,…
Por entre os temporais e as calmarias
Como um cigarro que se fuma
Massacrando os pulmões,
Ou, um sorriso que se dá
Alegrado o coração do outro.

“Tentando” o germinar da segunda.

Sim. A memória vai comigo,
Lá guardo os vulcões, ou as serenas tardes
De diamantes por lapidar.
Os vinis, as cassetes, os pirilampos das noites quentes de luar.
As lágrimas alegres e as que me fizeram entediar. As noites prenhes e as funestas da vida
Até posso descrever, ler e criticar o tempo passado,…

Falar o que sinto dele,…

Mas, mesmo que os dias acordem escuros e enrugados tento sempre entender e renovar
Com compreensão, um esticar de mão ou uma conversa
amiga
Que acabe em entendimento, cresci o suficiente

Para um sim ou um não, ou um perdão.

Por mais que o tempo me massacre, não guardo o ódio dentro do meu coração.




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Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 12/06/2020 04:54  Atualizado: 12/06/2020 14:55
Usuário desde: 06/11/2007
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 Re: O último autocarro
"O último autocarro" como título é uma combinação do uso da metáfora, com a aplicação dum objecto de uso corrente, isto é se se quisesse tornar o momento muito lírico e floreado poderia ser "A carruagem", por exemplo.

Mas tenho reparado, como estilo teu, a procura do quotidiano e do corrente, com o uso de metáforas invulgares e originais.

O autocarro, sendo o último pode ser porque já não há mais nesse dia, porque as empresas têm de estabelecer limites de uso, nem que seja para rentabilizar o tempo das horas de ponta e das outras, em que teriam de pagar o mesmo em combustível e salário de motorista. Como pode ser o último que apanhou, mas sabe que irá apanhar muitos outros. Ou sabe que não irá usar mais esse meio de transporte, ou qualquer outro.
Mas aqui esse veículo que é de uso colectivo, isto é, transporta o sujeito poético e outros passageiros, é uma metáfora\comparação bem conseguida para um monstro:
"...o tempo..."
Essa ilusão contínua que sabemos nos ossos que não volta para trás. Ressalvo que o autocarro tem essa capacidade de recuar, uma mudança que é a marcha-a-trás, apesar de esse movimento também ser um avanço. Se virarmos o corpo na direcção a que ele vai é um recuar em frente (lá começa a confusão...) que tu aliás referes do verso 6,7 e 8 da primeira estrofe.
Nesses a imagem da bailarina lembrou-me um conto que ando a construir (depois mostro). Bela e sensual.

Confesso que não gostei muito da comparação do cigarro com o sorriso, ambos, em comum, apenas têm a boca.

Interessante, e é o momento alto de todo o poema, é falares da memória.

Ela é o que nos dá o conceito do passado, ou até a sua possibilidade, e as representações que foste referindo, isto é as fotografias do antigo, "as cassetes" ou se guardam recordações de imagens com sons ou apenas sons (antes da era digital), na palavra escrita de acontecimentos (artigos de jornais a livros de história, por ex.).

"...cresci o suficiente..." dizes depois.
E assim parece, porque o acto de perdão é duma grandiosidade madura, assim como ter uma opinião firme que não muda (facilmente).

Sobretudo, o sujeito poético diz esse não ao ódio.

Porque ódio é lixo

Não se guarda lixo em casa, ou na nossa arrecadação. Ele é despejado num contentor.

É favor separar e pôr a reciclar.


Inesquecível.

Abraço irmã