De cabeça baixa estavas e parecia que me fitavas
Teus seios afloravam da renda do vestido de festa
Na parte entreaberta sobre o teu ombro esquerdo
Nessa última imagem que vi de ti já não tinhas vida
A dor me trespassa o peito, já nem consigo chorar
Estendo a mão com tremor, alcanço teu braço nu
Tento te imaginar como há horas atrás e te cobrir
Palavras tínhamos dito, decisões seguras e rápidas
Decidimos com leveza as direções de nossas vidas
Pois sabíamos toda luta que teríamos a enfrentar
Para reunir nossas vidas e esperanças num futuro
Volto a nossa noite passada. Foi algo inesquecível
Cada uma era sempre como se fora a primeira vez
Mas esta não. É a última vez, jamais vais retornar
Sinto-me em um deserto de areias negras sob o sol
Elevo os olhos aos céus para buscar por respostas
Mas não vejo nada, não há uma luz, não há nem ar
Privado de ti me quedo vencido em meio a sangue
Porque queria te seguir, te rever dizendo que sim
Mas não tenho essa graça. É só silêncio e angústia
Não há um mínimo alívio para aplacar essas dores
Já nem vejo mais, escurece, ouço sirenes ao longe
Sabes quanto eu quis te tirar dali, trocar de lugar
Nas profundas chagas que eu mesmo abri em mim
Pensei que assim iria te seguir, te amar pelos céus
Estaríamos num espaço azul e anjos nos sorririam
Trazendo a ti de volta para meus braços refeitos
Mas tudo que encontrei foram somente sombras
De tanta tristeza esse meu coração quase morto
Vai revivendo solitário o ar quente daquela manhã
Este o retrato do mais triste episódio da minha vida. Éramos jovens, belos, invejados... Mas um lampejo do destino e ela se foi para sempre, num estúpido acidente de trânsito, causado por alguém que queria tomar meu lugar...