*Quem será minha Mãe?
Onde está minha mãe? Apenas lembro-me de um caixão e um rosto pálido de olhos fechados sem olhar para mim.
Está dormindo, falou alguém me apertando nos braços.
Havia tanta gente na sala! Para que tanta gente olhando uma mãe dormindo na sala? Todas as pessoas dormem! E entre choros e angústias partiu minha mãe e nunca mais voltou.
Foi morar com papai do Céu. Porque papai do céu leva as mães? As crianças precisam de colo, de mãos para afagar e enxugar as lágrimas, mudar o lençol úmido pela urina. Faz tanto frio, mãe!
No silêncio da sala o vazio de vozes. Meu pai embrulhado na rede vivendo a solidão da dor, preso a inutilidade perante a força do destino. Eu e meu irmão com três anos, eu com menos de dois.
Quede as crianças? Estávamos em baixo da mesa do santuário, com imagens de São Francisco, protetor do meu pai e Nossa Senhora da Conceição com anjinhos a contemplá-la, escultura de autor desconhecido, autodidatas, que o talento chega e faz da arte a sobrevivência e divulga a história. Encontraram-nos colhidas, amedrontadas, indefesas, a procura de proteção. Não entendiam a partida da mãe, sem beijo, sem abraço. Apenas foi.
Mas criança, pela graça de Deus, e da sábia natureza vai amoldando a mente para o irremediável.
Quem será minha mãe? Meu pai. Foi ele meu abrigo, minha mãe enquanto viveu seus 74 anos. Foi mãe extremada, cuidadosa, zelosa. Tudo fez para compensar a perda brutal de uma vida ceifada aos 29 anos, uma menina que teve sete filhos. Teve hemorragia pós-parto um sertão sem médico, com farmacêutico distante, primo do meu pai, até enviou remédio quando meu pai regressava de viajava a trabalho.
Soube do acontecido no caminho e voo em cima do cavalo, rio cheio, mas o tempo esgotou as forças e minha mãe fraca não resistiu.
No dia das mães a ausência do sorriso, o presente do braço, aniversários sem bolo, elogio pelas primeiras letras do alfabeto. Li com precocidade. Certo dia li para o meu pai-mãe um trecho da carta de abc.
É meu pai, eu vou lê, faz mui bem, eu já sei, vá ler mais.
Minha moça, era assim que me chamava, sabe lê? O sorriso foi o maior dos sorrisos de felicidade, para um pai-mãe semianalfabeto e meu grande incentivo, meu ídolo. Em seguida a cartilha. A de amor, B de bola, C de casa e por aí fui. A leitura era diária com cordel e tudo mais que viesse. No terceiro ano primário sabia decoradas as quatro operações da tabuada.
Minha tia reprovava a leitura de cordéis. Vá lê a Bíblia, menina, em cordel só há leitura de morte, traição e corno. Eu baixava a cabeça em silêncio. Quem ousaria responder pai, mãe, avós, tios, professores, idosos?
O vazio guardado perdura ainda alimentando a saudade. Nunca mais caixão, rosto pálido alcançaram meu olhar, refuto para longe, apago da mente...
Sonia Nogueira
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