Poemas : 

o hálito da espera

 
tem o peso do que é leve
a nuvem, a pluma, o sorriso

o ar do ar preso

tem o corpo do arvoredo
por podar
e o toque liso dum abraço
prenhe de mãos e dedos

alcance

o hálito da espera...


Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.

Eugénio de Andrade

Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.

 
Autor
Rogério Beça
 
Texto
Data
Leituras
1696
Favoritos
5
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
56 pontos
2
7
5
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 01/05/2020 14:34  Atualizado: 01/05/2020 16:33
 Re: o hálito da espera
.

No livro do Génesis, o hálito divino é a origem do Homem: "Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente."
Mais tarde, entre os gregos, a alma era vista como uma porção de ar, que partira do éter e a ele regressaria na hora da morte. Há até relatos de quem conseguiu ver o ar expelido pela boca dos mortos no momento do óbito.
A associação do hálito à vida é, portanto, algo quase natural e comum a várias civilizações humanas.

Neste poema, essa ligação começa por residir em três metáforas: a nuvem, a pluma e o sorriso. As três combinam-se numa imagem comum: a de algo que pode nascer vívido e fulgurante para, mais tarde, se revelar frágil e transitório.
A nuvem, que pode tomar todas as formas dos sonhos e que depois desaparece com a brisa...
A pluma, que representa a beleza das aves e que se converte em algo tão fútil quanto a pena de um chapéu ou um marcador esquecido num livro...
O sorriso, símbolo ambivalente da alegria/tristeza/escárnio...

A meu ver, no verso seguinte -- "o ar do ar preso" -- começa a segunda parte do texto, em que a ideia de prisão vem introduzir a mais bela estrofe do poema: "tem o corpo do arvoredo / por podar / e o toque liso dum abraço / prenhe de mãos e dedos".
Como interpretar estas duas ideias que aparecem ligadas pela copulativa? Algo que cresce e que precisa de ser cortado e um abraço de "toque liso"?
A minha leitura leva-me à insurreição dos corpos que não se deixam cercear pelos constrangimentos da sua frágil condição e que procuram ligações, cheias de sonhos e anseios, mesmo que tenham de se cingir ao "toque liso", a uma verticalidade das relações, que se desejariam circulares como um abraço.

Reflexos de um mundo em confinamento? Não sei. Talvez seja demasiado literal.
Independentemente de qual tenha sido o móbil da escrita, há aqui algo que encontro em outros poemas do Rogério: a presença constante de elementos primordiais (ar, fogo, terra, água -- a que juntaria a luz) que são a chave de leitura para o lado mais desconhecido e encantatório dos sentimentos humanos.

Um grande abraço, meu irmão.