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RAPAZOLA

 
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RAPAZOLA

Eu tinha dezessete; ela, trinta e tantos... Eu era virgem e ela sabia disso. Quando terminamos nossa primeira foda, ela me disse: -- "Rapazola, vou te ensinar as sacanagens!" Sacanagem, como todos sabem, tem dois sentidos. Evidente que ela m'ensinou ambos.

A partir d'aquela noite, tornamo-nos amantes. Eu a seguia como um cachorrinho na esperança de fodê-la outra vez. Contudo, ela era doutora na arte da enrolação. Na verdade, a coisa era complicada mesmo: Amásia -- não teúda e manteúda, mas chamego de mais de dez anos... -- ostentava de braço dado um bacana casado que vinha d'outra cidade vê-la de vez em vez. Em vista do que vivemos juntos, penso que folgava com forasteiros como eu para se distrair, feito mulher desimpedida. Eu, cabaço que era, nem acreditava finalmente estar com uma mulher que dava. Fazia doce, é verdade, mas dava.

Mesmo hoje, passado um lustro inteiro, ainda lembro em detalhes d'ela: Tinha olhos claros, puxados para verdes, onde a íris era d'um cinzento frio que lhe dava ares etéreos de deusa. Os lábios grossos beijavam nervosos e húmidos, com gosto. Sua pele, morena e apessegada, tinha aquela penugem descolorida que eu adorava eriçar.

Nua, porém, era uma força da natureza! Na primeira vez, despiu-se em pé, de costas para mim, revelando um curvilíneo tão formoso que me fez poetar: "Curvas mesmas de vespa a silhueta..." -- escrevi sobre ela anos após. De vera, tinha um par de nádegas inchadas sustentadas por pernas desproporcionais. Espetáculo! Ao virar-se, topei com seus seios grandes onde redondos onde as auréolas se inchavam e m bicos hirtos a concordar com a generosidade das nádegas rijas. Depois d'um sarro meio desajeitado (da minha parte, evidente) ela terminou de me despir, me sentou na cama e veio sobre mim. -- Rapazola! -- ordenou ela -- "Mete em mim!" Quando eu a penetrei é comecei a bombar nela, a danada soltou aquela frase que se diz para todos, mas que a gente finge que elas só dizem para a gente --"Que caralho mais gostoso!" -- Eu sorri e ela gozou.

Dia seguinte m'evitou. Saiu cedo do sítio onde eu fazia pousada e foi para a fazenda onde morava com o pai já velhinho. A irmã, muito parecida de rosto com ela, era casada com um moço que morava n'um casebre pr'os lados da rua, como chamam n'aquela parte do vale do Doce os vilarejos de casas e vendas aglomerados n'uma ou duas ruas. Coisa de distrito de quinhentos habitantes distante uns trinta quilômetros por estrada de chão até o asfalto. A irmã era a direita, diziam no lugar; quanto à minha, gostava d'uma história torta que só ela. Ambas estudaram magistério e eram professorinhas na escola do município. Davam aulas na sede também, apesar da lonjura, sendo reparadas como mulheres lindas, ambas, n'aquele grotão de meu Deus.

Digo que era amásia porque, embora trabalhasse, gozava d'um padrão de vida muito diferente de sua irmã: Sempre muito arrumada e perfumada, recebia às vistas de todos o seu caso vindo de carro esportivo, uma semana sim é a outra não. Os dois sumiam pelas cidades vizinhas...

Sem embargo, quando não estava com ele, atraía-me até a casa d'ela é ficávamos folgando juntos enquanto seu pai lidava com a roça. Tardes e tardes tépidas de saudosa memória... Era maravilhoso estar com ela. Pena fosse tão raro!

Foi como amante da amante que me coloquei n'aquele triângulo. Era uma posição cômoda, admito, visto que ela, ladina que era, jamais se demorava com ele na vila, de modo que nunca vi o moço senão de passagem dentro de seu carro com ela de carona evitando me olhar. Ela adorava me pôr esperançoso de vê-la, mas, uma vez empertigado à sua porta, percebia sempre sua casa cheia para que não pudesse me aproximar demasiado, tirana consciente de seu poder. Ainda assim trocávamos olhares, sorrisos, indiretas e até trança-mãos, ainda que na discrição segredada dos culpados que s'escondem para gozar. Eu, completamente encantando, dizia lhe querer mais do que o outro e que me casaria com ela se enfim o deixasse. Ela me olhava de volta com uma ternura infinda, mas logo quebrava o enleio dizendo, com toda sabedoria do mundo, que nós dois não tínhamos futuro: -- "E como será d'aqui a cinco anos? E d'aqui a dez anos? Estarás jovem e eu, velha... Não suportarei me apegar e te perder assim. Prefiro não te ter de todo e tampouco ser toda tua!" -- concluía me mirando com olhos rasos d'água, mas firmes. Não havia argumento que lhe convencesse do contrário, embora hoje eu saiba que ela estava certa. Não era para ser. O amor "oiseau rebelle"

Cansado d'aquela enrolação sem fim, comecei a sair com uma colega dela, professora no mesmo grupo escolar. Nem de longe tinha o seu garbo... Para piorar, era crente é só daria para mim casando... Retraída, jamais cedia às minhas investidas de galo novo cheio de libido. A outra, a que realmente eu queria, olhava de longe aquele namoro rindo de mim com a certeza de que me levava para a sua cama quando bem entendesse. Certa vez, chegou a mangar de mim: "Vocês são dois fofos!" adivinhando que minhas investidas jamais abriam caminho por aquele decote pudico... Ela fazia questão de estar presente, angustiando-me com sua sensualidade, enquanto eu tentava manter o decoro diante de minha namoradinha... Era patético mesmo.

Quando fui embora d'aquela vila, certo de que jamais voltaria, nenhuma das duas me viu partir. Ainda se pegava carona no carro do leite então. Eu saí cedo, fui até o asfalto junto com os latões de leite, atravessei o rio Doce de canoa e peguei o trem Vitória-Minas para a Capital. Ainda trabalhei no vale do Doce mais uns três anos n'outras cidadezinhas, mas nunca voltei àquela para vê-la. Desde então, ela habita em meus sonhos, eternamente balzaquiana, sem envelhecer um dia, com o mesmo garbo que m'encantou quando eu era um rapazola. Quando eu era o seu rapazola.

Betim - 20 03 2020


Ubi caritas est vera
Deus ibi est.


 
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RicardoC
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