Todas as tardes antes de voltar para casa Maria passava na florista e comprava uma rosa branca, uma simples rosa brana, Lúcia, a florista, nunca entendera porque o fazia, as rosas não secariam de um dia para o outro. Tudo era desconhecido acerca de Maria, num dia de chuva chegara à aldeia com uma mala de cartão na mão direita e debaixo do braço trazia uma coberta negra, deitara-se no jardim, junto ao chafariz até que o dono do talho, senhor Joaquim Gordo, lhe ofereceu emprego. Alugou um quarto na pousada, todos os dias acordava às sete, tomava o pequeno almoço às 7:30m e às 8h pegava ao trabalho; ao fim da tarde despegava às 17h, às 17h15m passava na florista e desaparecia com a rosa na mão monte fora, voltava sempre por volta das 19h e às 20h já estava deitada depois de ter jantado qualquer coisa.
Maria desconhecida, assim lhe chamavam na aldeia, quando ali chegou revolucionou a mente e o coração daquela gente, sorriso rasgado numa cara de olhar triste e dorido, ninguém entendia, quando lhe perguntavam de onde viera fechava-se em copas, o olhar cinzento abstraia-se pelo tom moreno da pele, roupas gastas mas sempre de tons escuros.
O enigma que aquela mulher despertava deixava tudo e todos inquietos, doía desconhecer o paradeiro, desconhecer o sentimento, desconhecer tudo; o que doía mais era o amor que ela despontara em muitos rapazes jovens que ali moravam, alguns já casadoiros. Ela socorria-se dos sorrisos deles para soltar o seu riso por algumas vezes em que a dor do olhar se reflectia até nos gestos daquela menina grande.
Naquela manhã e antes de se levantar Lúcia ficara a pensar como descobrir o que fazia maria todos os fins de tarde com as rosas brancas que comprava. Quando chegou à loja colocou na porta um papel a dizer que iria fechar mais cedo nesse dia.
Após Maria lhe ter comprado a rosa, calçou os socos e saiu ao seu encalço. No bolso do avental levava uma lanterna, os dias de Inverno davam lugar às noites mais cedo.
O vulto de Maria avistava-se ao longe apesar de se confundir com a escuridão da noite e das sombras do bosque, ouvia-se de longe o choro da rapariga e isso afligia Lúcia. Conseguia ouvi-la cantar ao longe, a música do adeus, uma modinha da aldeia que muitos conheceram apenas pela boca daquela menina e que depois se espalhou pelas aldeias visinhas e que agora já era conhecida por todos. Chorou também. Aquela modinha incomodava-a, assombrava-a uma dor qualquer que desconhecia, uma perda enorme.
Parou quando Maria parou, viu sua mão agarrar-se a um tronco de um pinheiro manso que se erguia no meio do bosque, quase apodrecido, a idade já ultrapassara a idade daquela menina pensara Lúcia com as mãos agarrando a face. Junto ao tronco repousava um cemitério de rosas, umas secas, outras apodrecidas e algumas ainda vivas. Maria ficou ali por mais de 30m, rezava o pai-nosso agarrada ao seu rosário negro. Caiu no chão e agarrando as rosas chorou de novo, uma vez, duas vezes, todas as vezes que foram precisas até que um grito finalizou aquela declaração de dor. Voltou-se e caminhou serena pelo mesmo caminho que percorrera até ali chegar.
Lúcia aproximou-se do pinheiro manso com o lenço na mão esquerda, a mão direita escondia-se no bolso do avental onde guardava o seu rosário benzido em Fátima, os pés afundavam-se em rosas que já não o eram mas que no choro não o deixavam de ser, antes de se ir embora soltou umas lágrimas ao ler no tronco, perdidos no meio de uma coração que um navalha desenhara na madeira, dois nomes, Maria e Francisco.
Dedico este conto, ainda não findado, a José Torres. O Homem que quebrou os grilhões que me impediam de escrever contos.
Abraço amigo*
. façam de conta que eu não estive cá .