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*NATAL SOLIDÃO

 
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Natal Solidão

O colorido intermitente da sala com o pisca-pisca de luzas, vozes incompreensíveis confundia o som aos ouvidos. Um sai e entra de crianças barulhentas e a música natalina, arranhava a audição descontraída. O coração agoniado.

A mesa está posta, iguarias diversas aguça o paladar. O olhar deita sobre o menino Jesus numa pequena manjedoura artesanal. A canção de Natal anuncia meia noite e, de mãos dadas os convivas fecham os olhos obedecendo à voz que dita. Pai nosso que está no Céu... Música e cena avivam a lembrança, rola a lágrima tímida no canto do olho, ano após ano, acariciando coração e face solitária.

O pensamento voa para o sertão distante. Um pequeno povoado ao estilo das acrópoles gregas, igreja no centro, indicava a força máxima do poder dentro da igreja, cúmplice de representante político, por vontade de Deus. Casas ao redor em forma de círculo, proteção e defesa pelos olhares da população aos visitantes. Areia branca, limpa, era o piso que os pés descalços trafegavam sem receio. Todas as entradas e saídas eram vistas. Como se fosse uma única família a população criava laço fraternal.

Nas casas singelas, a agricultura de subsistência alimentava os moradores e, no inverno a fartura rondava sobre a mesa. O Rio São Francisco morava juntinho ao povo, como se fosse um membro da família, com água abundante nas enchentes, mas perenizava no decorrer do ano, até seu regresso.
Tudo em tamanho pequeno, porém grande no coração e simplicidade daquela gente. Nas festas juninas, com quadrilha, a queima engraçada de Judas, após a Semana Santa, leitura de uma herança cômica para os moradores. Não havia luz na cidade e, sem ela a ausência de eletro doméstico, TV. Alimentos sem agrotóxicos, nem noticiário sangrento, assaltos diários, estrupos, sequestros... O paraíso dos povoados esquecidos, da ignorância natural.

Apenas duas festas religiosas, São Francisco, em outubro, e, Nossa Senhora da Conceição em dezembro. Vestidos novos, calçados engraxados até sua resistência, leilão, quermesses, nove noites de novenas, encerrando com missa, procissão e, no olhar a lágrima esperando o próximo ano.

Vem o natal, festa de aniversário de Jesus, com todos iguais, espera-se. Mas, para a menina solitária no vazio do olhar, na lembrança e saudade do que nunca viu. A mãe, que se foi nos seus menos de dois anos de vida. Reviveu a lapinha da igreja, com a sagrada família, na manjedoura de palha. Animais bafejando o frio pequenino que morava no coração da criança, a lágrima corria silenciosa. Ansiava que fosse ela recebendo tanta ternura e proteção.

A lapinha, de origem francesa, levada pelos portugueses para a Ilha da Madeira, Açores e Brasil. É a família reunida, exemplo de união, divulgação e compêndio Histórico.
Todos os anos a mesma cena, a mesma saudade, o mesmo sentimento dormitando. A maturidade não apagou a sensação de vazio da infância. A cidade grande preencheu outras lacunas como: profissão, lazer, trabalho, no entanto, o coração estava lá na solidão da carência visceral, circulando por todos os órgãos, na falta do abraço, no desejo da felicidade, no amor maternal inexistente.

As luzes apagam fica apenas a penumbra da oração, com a mesma escuridão de sua cidade natal à luz de lamparinas e, a saudade gritando dentro do peito. O sino badala meia noite é aniversário do Jesus Menino. A claridade retorna a sala, o abraço se multiplica, o coração da menina continua solitário, com a mesma falta de luz, apenas a lamparina na lembrança do seu povoado.

Menção Honrosa dezembro de 2013. Prêmio Oliveira Caruzo. Rio de Janeiro.

Sonia Nogueira


Livros Publicados:
- Por Justa Causa - contos
- Nas Entrelinhas (200 sonetos)
- A Pequena May - juvenil
-Datas Comemorativas em Poesias
-Eu Poesia, Contos e Crônicas
-No Reino de Sininho, infantil
- A Janela Azul
- Contação de História Infantil...

 
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SoniaNogueira
 
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