EM SER DESEJO (endecha)
Estive eu tão perto
D’aquele que sou
Que decerto estou
De mim ora incerto.
Quem sou eu não sei;
Quem fui eu não soube.
De mim não me roube
Quem quer que serei.
Talvez pense ser
Quem eu nunca pude;
Que decerto ilude
No fim o prazer.
Talvez pense estar
Tão longe de tudo,
Que somente mudo
Eu possa passar.
Talvez pense vir
D’aquele passado
Quem inopinado
Neguei-me existir.
Talvez sem talvez
Quem não fui não seja,
Senão quem deseja
Querer outra vez.
Jamais eu fui eu,
Pois que, desejoso,
Neguei-me meu gozo:
Jamais eu fui meu.
Jamais eu fui quem
Em noite de fúria
Houvesse a luxúria
Por mal ter um bem.
Jamais eu fui este,
Ou quem, decidido,
No prazer vivido
À morte conteste.
O facto é que não.
E o que sou é pejo
De arder de desejo
Em minha ilusão.
Belo Horizonte – 19 11 2019
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.