IMPROVISO n° 6
1.
meus olhos ardem como se não dormisse há dias e dias.
pela janela, a luz baça da antemanhã me surpreende:
estou em frangalhos!
parece que tudo ao meu redor
se desmancha tão-logo eu toco...
não há certezas além das misérias quotidianas
tudo isso é poesia e não é
2.
basta eu olhar para a frente e a estrada some
eu subsisto; eu sub-existo
não encontro no meu caos qualquer lição
a não ser que é assim mesmo
basta eu olhar para frente e a realidade se dissolve
feito chuva se juntando em enxurrada
3.
neurose:
penso em quem sou e em quem penso que sou
mas no instante em que se pensa ser já não se é
ser é não pensar em ser
mas eu penso. serei?
ser é imediato; irrefletido
refletir sobre si é perder-se de si
feito um peixe que escapa dos dedos
quanto mais se aperta, mais desliza
4.
tomo cuidado para que ninguém m'escute
talvez esteja ficando louco
talvez esteja ficando sábio
talvez nem isso nem aquilo
eu não me dou ouvidos
se m'escutasse, eu me calaria
isso não pode ser poesia, mas é
5.
em todo caso, eu estou aqui
juntando as palavras que espalhei
como quem cata os cacos d'um vaso
o resultado é sempre patético...
e é poesia
Betim - 20 11 2019
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.