UM BEIJO INESQUECÍVEL
(Ivone Carvalho)
Ele ficaria sessenta dias fora do país. Uma viagem à Europa, merecida, por sinal! Ensinava a língua pátria e literatura. Brilhante mestre! Jovem ainda, muito jovem. Tímido, nascido e criado numa cidade do interior do Estado de São Paulo. Encantava alunas como eu, devoradora de todos os volumes existentes na biblioteca do colégio.
E, por razões óbvias, eu também o encantava. Poucos adolescentes da minha idade interessavam-se tanto pela sua matéria. Poucas alunas liam tantos livros em tão pouco tempo. E ele sabia que essa leitura ocorria apenas durante as madrugadas e no ônibus, no caminho de casa para o trabalho e do trabalho para o colégio.
O incentivo recebido dele era determinante para que eu lesse cada vez mais. Indicava-me obras e mais obras e, quando estas não podiam ser encontradas nas estantes da biblioteca, ele mesmo providenciava. Comprava-as, mas emprestava e depois trocávamos opiniões a respeito do autor e do livro.
Nomear-me como sua assistente foi um dos grandes presentes que ele me deu. Assim, eu procurava chegar sempre mais cedo na escola para poder abrir a biblioteca e, nos intervalos das aulas, lá estava eu, indicando livros, sugerindo autores, enfim, incentivando outros colegas a se deliciarem com a nossa literatura.
Mas, como eu ia dizendo, ele ia viajar. Antes das férias escolares! E, apesar da satisfação que eu sentia por saber que um dos seus grandes sonhos seria realizado, uma saudade antecipada se avolumava em meu peito.
Queria me despedir dele, acompanhá-lo ao aeroporto. Conversei com um grupo de colegas e combinamos local e hora para nos encontrarmos, de onde partiríamos com destino a Viracopos para as despedidas e os votos de boa viagem. Nem fui trabalhar naquele dia. Foi uma das poucas vezes que faltei ao trabalho durante toda a minha vida.
Entretanto, não encontrei os amigos no horário combinado. Ninguém apareceu! Eu me vi ali sozinha, perdida, desesperada. O que faria agora? Eu não tinha me despedido dele! Eu não admitia que ele viajasse sem que eu tivesse, no mínimo, desejado-lhe boa viagem!
Não pensei duas vezes. Peguei um ônibus e fui para a rodoviária. Eu também não sabia que existia transporte para Viracopos e assim fui para Campinas. Lá, peguei um taxi com destino ao Aeroporto. Três grandes preocupações me destruíam lentamente: a despesa com o taxi, vez que eu não sabia se o dinheiro que eu possuía seria suficiente para pagá-lo e depois voltar para São Paulo; o tempo despendido com aquele longo caminho que me levava ao aeroporto pois o horário do vôo aproximava-se aceleradamente e, por último, o principal deles, a despedida.
Chegando lá, olhava perdida para todos os lados procurando alguém, alguma luz, algo que me permitisse ainda cumprir o meu objetivo. Com felicidade, vi seu irmão, colega de turma no colégio, que ali estava com sua família. Ele apressadamente apontou o meu querido mestre que, ao longe, já se dirigia ao avião.
Corri. Corri como nunca! Gritei pelo seu nome. Ele se virou e, para minha alegria, me viu.
Voltou em minha direção. E, como em cenas que até hoje só vi em filmes, corremos ambos, de braços abertos, um em direção do outro...
Aquele abraço entre lágrimas de alegria, que fazia nossos corações dispararem eu nunca poderei me esquecer!
Não posso responder por ele, mas até hoje eu sinto o gosto do beijo que não aconteceu naquele momento, da forma como queríamos que tivesse acontecido, mas que foi mencionado em todas as cartas que ele me enviou enquanto esteve na Europa...
16/11/2001 – 3:30HS