O meu espelho
é um rio que passa
depressa.
Corrente que não se espaça;
no seu lugar
apenas começa.
Conto luas cheias
à velocidade da luz.
E tardes cruas nas veias.
Pergunto-me se ainda vou a tempo,
da graça,
de ver a água que passa.
Em cada regresso ao passado que guardo num perfume velho,
descubro hoje um aroma,
ao acaso,
e temo a medo o atraso…
O que será que se atrasou comigo,
que à velocidade cobre da brisa,
deixei de degustar,
guardar na boca, dissolver na saliva?
Caviar, beijo, orgia…
(sem dúvida, orgia)
Entre
correntes e prisões
e tantas outras liberdades,
há metades que correram inteiras,
pés atrás
que seguiram em frente.
Hoje ouvi
um belo dia,
no meio de um dia belo,
cedo.
Tirei da coberta mais um dado adquirido
que me custa e maravilha.
É quando me apanham no que sou menos,
que sei que ainda posso, sei ali, reinar numa captura,
que rebento num riso, num pranto,
num poema.
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.