Mal vi o flanelinha virar na esquina recebo uma ligação
Um amigo me convidando para ir ver umas “meninas”
- Não tenho dinheiro!
- Vamos só tomar uma cerveja.
Tarde de calor.
Ideal para se tomar uma gelada.
- Vamos lá.
O que não se faz por um amigo?
Lá fomos nós.
Não preciso nem dizer que há vários locais nas periferias da cidade
Que possibilita oportunidades para se conhecer uma garota.
Mas, devo salientar que esses ambientes não são salubres.
Nem bonitos.
Uma moça de sorriso espontâneo
Batom vermelho, seios fartos,
Realçados pelo decote de uma blusa curta
Short mais curto ainda e aberto
Deixa transparecer um par de coxas salientes
Com uma tatuagem em uma das pernas
Vem sentar-se ao meu lado.
- Oi bebezinho – diz ela com uma voz suave
- Você pode pagar um uísque para mim?
Qualquer bebida nesses lugares é o olho da cara
Dá para comprar um engradado em outro lugar.
Invento uma desculpa e digo que só posso pagar uma cerveja
Enquanto meu amigo se diverte com uma loira.
- Vou para o quarto com ela – diz ele.
Tenho que esperar.
Então começo a conversar com a morena
Que insiste em passar as mãos pelo meu corpo e me chamar de bebezinho.
Por que as pessoas gostam de me chamar de bebezinho?
Sei lá. Até que gosto.
Então insisto com ela que não tenho dinheiro e que ela pode tentar agradar outro.
Tinha acabado de chegar outros caras.
- Gosto de você – diz ela – e esses caras ai vão lá para os fundos.
Nos fundos do bar há mesas e outras garotas
Bebendo e conversando.
Vejo uma tomando banho em uma ducha
Ainda está muito calor.
Ela está seminua e não tem como disfarçar o olhar
Ela sorri e faz uma bagunça para chamar a atenção.
- Vai ficar olhando para ela?
Então me volto para a menina ao meu lado.
- Por que você fica aqui? – Pergunto.
É possível ver em seu rosto as marcas do sofrimento.
Conta-me, então, parte de sua história.
Não conheceu o pai e a mãe não tinha condições de criá-la.
Por viver uma vida miserável
Fugiu de casa com quatorze anos
Ficou grávida e teve um filho
O pai do garoto nem quis saber de vê-la e muito menos do filho.
Não queria que o filho passasse pelo mesmo que ela passara
Por isso resolveu trabalhar para sustenta-lo.
Como não conseguia emprego
(não tivera oportunidade de terminar os estudos)
Resolveu ser prostituta
- Eu sou uma puta – ela diz para mim.
Ela mesma me pede para chamá-la de puta.
- Tem meninas aqui que não gosta, mas nós somos putas.
Fico constrangido e ela nota isso.
- Não se preocupe, bebezinho, isso é normal para mim.
Então ela brinca com minha timidez
Mas, na verdade o que sinto é estranhamento.
- Quanto ganha fazendo isso? E seu filho, onde fica?
Eu estava curioso e como ela havia aberto a possibilidade, queria saber.
Disse-me que, às vezes, no começo do mês, dia de pagamento,
Costuma tirar um bom dinheiro.
- Teve uma vez que fiquei com 8 caras no mesmo dia.
Fiz a conta na cabeça rapidamente: 800 reais em um dia!
Caramba!
- Mas, tem semanas que ficamos aqui e não aparece nem uma viva alma.
Ela, então, me contou sobre as rivalidades, sobre a concorrência,
A exploração do dono ou dona do lugar
Das condições miseráveis onde dormem,
Da comida horrível que se alimentam
Dos homens violentos que querem abusar porque estão pagando...
Não sabia o que dizer.
- Ah, o meu filho tem 4 anos e fica com minha avó.
Meu amigo volta de sua aventura.
A loira sorri, ele sorri.
A felicidade!
Ah! Ela existe.
Deito-me na minha cama e começo a refletir sobre o meu dia.
O que é a vida?
Quem somos nós?
De onde viemos?
Para onde vamos?
O flanelinha e a puta.
A vida deles é melhor ou pior do que a minha?
É pior ou melhor do que a sua?
Poema: Odair José, Poeta Cacerense