Ilha Solidária
A família Silveira velejava, há meses, no intuito de conhecer várias cidades costeiras. O mar estava indomável. De súbito, a angústia se apoderou dos passageiros. Ondas gigantes balançavam e levantavam a embarcação, parecendo barquinho de papel, nas mãos de crianças fagueiras.
Relâmpagos clareavam com rapidez, e todos abraçados pediam calmaria. Os corações em descompasso imploravam proteção ao supremo. Não há salvação, esta foi a última palavra do pai atônito...
O menino abriu os olhos e viu-se em local deserto, vegetação frondosa e com voz em surdina, apenas no murmurejo das folhas orquestrada ao som do vento. Um pequeno barco de salvamento o conduzira aquele local ermo e desconhecido.
Solitário, o menino enxugava uma lágrima, na certeza de que familiares encontraria seu destino, estava preparado para situações improvisáveis. Um livreto de salvamento, caneta, papel e mantimentos chegaram consigo. Ficou ali residindo com seu amigo inseparável, Rambi, o cachorrinho de estimação. Com certeza, seu pai o colocara junto, no pequeno barco de salvamento.
Passaram-se muitas horas sem meditação, apenas o olhar fixava o vazio do céu, sem preencher o vazio do pensamento, da vida, só a infinitude do mar e espaço. Acomodou-se, dormiu. Acordou resignado, com a certeza que a proteção dos homens, com ajuda divina, um sopro, talvez, levado ao pensamento, levaria algum viajante a desviar a rota, procurando o que não planejara, logo lhe alcançariam. Quem sabe? A esperança é última que morre. Dito popular mais fortalecedor que este não há.
Jogou, nas águas, uma garrafa com pedido de socorro: “quem encontrar meu pai Vitório, avise-o. Um filho com esperança”.
Muitos anos se passaram. O tempo correu para o menino solitário, que chegou ali aos doze. Adotou a ilha e registrou-se cidadão da Ilha Perdida Solidária. A sua ilha fértil, criou um homem robusto, bronzeado, saudável: líquido e combustível à sua sobrevivência. Observando, notou que a ilha aumentava a cada estação, algumas árvores minguavam a produção, a carência de alimento chegava muito lenta, as folhas ressequidas não se renovavam para a floração, o calor intenso, - o sol baixou dizia consigo-as chuvas escassas a cada ano, as ondas mansas e calmas ficavam distantes do seu atento olhar. Na maturidade, o homem acumula sabedoria, vida e problemas são faculdades imbatíveis.
O solo ressequido lhe causava pavor e contentamento. As águas desapareceram. Era rio ou mar? Não sabia ao certo. Rio seca. Mar nunca seca, ouviu a frase de seu pai. Também ouvia que as águas faltariam, por causa do homem, destruidor da natureza.
Arrumou o restante dos mantimentos e, embaixo do sol escaldante, saiu pisando o solo rachado, com raras e pequenas porções de água, lamenta. Rumou à procura, não sabia de que, nem de quem. Tempo e ano saíram do seu controle. Quantos anos eu tenho?
Ele caminhou muitos dias. As horas não marcaram o tempo. Enquanto tivesse alimento, água e resistência os passos obedeciam à caminhada. A exaustão apoderou-se do corpo e mente. Era noite. A liberdade dava um prazer inenarrável. O sol queimava sua face, abriu os olhos confusos e indagadores. Espreguiçou o corpo e, ao levar o braço á direita, topou em algo. Duas garrafas presas no torrão. Com hábil movimento, tentou quebrá-las. Na primeira escrita: “quem encontrar meu filho Rud devolva-me. Uma mãe com esperança”. Na outra: “quem encontrar meu pai Vitório, avise-o. Um filho com esperança”.
Ao levantar a vista, notou uma figura coberta de pelos, os cabelos serviam de vestimenta. Os dois gritaram. Na outra figura, barba e cabelo cobriam todo corpo. Fixaram o olhar por longos segundos, e abraçaram-se, em baixo de forte temporal, o líquido supremo, a fonte da vida... O mundo renascia...
Do livro: "Por Justa Causa"
Sonia Nogueira
Livros Publicados:
- Por Justa Causa - contos
- Nas Entrelinhas (200 sonetos)
- A Pequena May - juvenil
-Datas Comemorativas em Poesias
-Eu Poesia, Contos e Crônicas
-No Reino de Sininho, infantil
- A Janela Azul
- Contação de História Infantil...