O HOMEM QUE CALCULAVA (MAL...)
N'um conto clássico de seu livro mais afamado, Malba Tahan narra uma partilha de camelos entre três irmãos, na qual todos os interessados estavam insatisfeitos. O matemático protagonista do livro se acerca do grupo e dá uma solução tão brilhante que até ele, por engenhoso cálculo, sai com um camelo inteiro para si! Parecia mágica, mas era matemática. Aparentemente, o Ministro da Educação Abraham Weintraub se atreveu a fazer algo semelhante em sua apresentação acerca dos cortes ou contingenciamentos (cada hora é uma coisa...) que incidirão sobre os orçamentos das Universidades Federais do Brasil. Com chocolates no lugar dos camelos de Malba Tahan, o ministro Weintraub -- que é graduado em Economia pela USP -- tentou provar que os cortes orçamentários eram de 3,5% e não de 30%, como o próprio MEC já havia informado. Parecia matemática, mas era enrolação.
Hoje, quinze de maio de 2019, os estudantes de universidades e institutos federais estão nas ruas em protesto contra os cortes, os chocolates e o MEC. Juntam-se a eles seus professores, estudantes e educadores de escolas particulares, bem como secundaristas do ensino público. A lista de apoios pode ser ainda mais ampla, mas se atente n'este texto aos diretamente impactados pelos cortes. São milhares nas ruas das capitais dos Estados da Federação. Talvez a primeira grande jornada de manifestações contra um governo que mal completou cem dias...
Como se não bastasse esse estado de coisas, nosso presidente "Trending Topics", arvorado em meteorologista político, anuncia na véspera do início da semana a chegada de um tsunami capaz de abalar as estruturas do seu governo. Devidamente preparados para o pior, nós, o povo brasileiro, passamos a nos debruçar sobre os sinais do tempo. Houve quem enxergasse a quebra dos sigilos fiscal e bancário do senador Flávio Bolsonaro e de seus antigos assessores da câmara fluminense. Houve ainda quem já percebesse no horizonte outra greve nacional de caminhoneiros. Por fim, houve aqueles que, em face das agitações de hoje em nossas ruas, vissem um tsunami incontrolável em resposta ao ministro Weintraub e seus chocolates...
Tsunamis à parte, é raro que um Presidente da República profetize catástrofes para si e para a Nação. O único caso de que me lembro é o de Jânio Quadros ao evocar "forças ocultas" que lhe impediam ter sucesso em seu governo e lhe justificaram uma renúncia sem pé nem cabeça ao cargo máximo do Executivo. Alguns analistas da época, bem como muitos historiadores desde então, interpretaram a renuncia de Jânio como uma tentativa de se gerar comoção nacional capaz de fazê-lo retornar ao cargo pela via populista, disciplinando um Congresso rebelde e Forças Armadas conspiradoras.
Será que Bolsonaro, Weintraub e afins estão apostando na manobra fracassada de Jânio? Ou será outra cortina de fumaça para que todos continuem falando à exaustão d'esse governo? De qualquer forma, há um erro de cálculo e a conta não fecha. Com ou sem tsunami, nossa realidade actual é um desastre em si.
Viva a estudantada nas ruas! Viva o povo brasileiro!
Betim - 15 05 2019
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.