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A Noite

 
O escuro roça as palavras nas paredes do pensamento. E as paredes não se vêem. Sinto o chão de nele estar sem alma. Grito com o silêncio a noite. Tenho medo tenho medo tenho medo. Sinto a cegueira do escuro por sobre mim como um espírito malvado que me roube a voz, me rouba a alma do coração, porque a outra já não a tenho. Grito a raiva de não poder ter medo de mim e dos outros, desses que não existem. Estou nu e vejo tudo; sou eu! Quero fome. Quero…sujidade fecunda e obscena, quero… ser eu agora, acordar desta excitação absurdamente ininteligível, e correr com o sexo masturbando a realidade. Quero ser verdade com a mentira. Obscuro, patético e um palhaço sem circo. Sou um animal num firmamento negro cuja razão é uma realidade ilógica que se estende para lá do infinito. Quero simplesmente aquilo que não sei. Acorda, acorda, acorda! Ouço isto e não sei de onde vem. Sinto um corpo, uma pele macia e voluptuosamente branca que me toca a verdade dissimulada. Uma objectividade irreal que me corrói o sangue enigmático da minha existência. Acorda! Acorda! A vida que me deram, foi-se, e o porvir cessou no mundo, cessou sobretudo em mim. A minha força é uma natureza do que nunca fui. A recordação; um passado futuro cujo espaço nem presente nem se sente. Acorda! Acorda! Sussurros de sombra entram em mim fulminantes sem dó nem piedade. Haja luz no medo do mal, haja luz no mal do bem. O medo faz-se (de) morte na lei da vida. A minha vontade é morrer morto! A minha vida escreve-se infinitamente na vacuidade. Tudo me impele à voragem tenebrosa da vida. Sou eu! Sou eu no alto da montanha que é a vida. Sou eu no centro da terra que é a morte. Sou eu a vida e a morte. Acorda, acorda, acorda! Gritam-me, tocam-me e desejam-me e continuo a ser eu. Quero um sexo para ser mãe e dar-me á luz. Quero produzir o mundo, quero vê-lo nascer e dá-lhe sangue vida e morte. Sento-me e sinto-me, estou vivo porque nasci, digo. E nem sei se isto é verdade ou alguma vez foi. A verdade é uma palavra para definir a existência de Deus. A razão para definir a existência do mundo. E a lógica para definir o absurdo. E tudo isto, sim, parece-me um absurdo! Acorda, acorda, acorda! Não se pode acordar quem dorme, nunca se pode acordar quem dorme. O sono não é senão uma aprendizagem para a morte. A morte é curta! Quero sujidade, repito, quero sujidade! Quero ser obscenamente cruel, deixar o lado no lado da vida, viver sempre na inexistência. Estou aqui, estou aqui, estou aqui! Palavras que me subtraem e me traem; quero uma gramática para me compreender. Dêem-me palavras novas para tornar a viver, dêem-me a fuga da existência, dêem-me tudo aquilo que eu menos quero do mundo; a estupidez, para ser feliz. Acorda, acorda, acorda! Estou aqui, estou aqui, estou aqui! O escuro cegou-me as pernas.

 
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alberto-miranda
 
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