Assim de cálculo leve, é evidente: os pequenos bem-estares estão correlacionados—de forma única—com a intensidade de absorver e de reagir aos impactos das circunstâncias, comuns ou incomuns. Mas como ter mão, ou a vitamina certa necessária, na intensidade de resposta ao ataque? Ou como ter a melhor imunidade aos avanços do abuso circunstancial? Será melhor baixar a guarda, deixar de fora os punhos fechados e desfrutar da vista privilegiada para a casualidade? Ou será melhor estipular a meta do atleta, seguir o programa e forçar o murro e a teimosia? O ideal seria que fôssemos os senhores das intensidades. Ou não?
Pensar sobre estratégias, feitos e projectos elegantes e morais de vida, por si só, e a determinado momento, tem trejeitos de intensidade máxima suportável, a rodar osso-com-osso na mais ínfima orgânica partícula. A perspectiva do combate então sobreaquece, fumega e acalora os ânimos menos dignos. E um dia chega a exaustão como uma arma de alívio às culpas e ao pânico, e a pedir o despejo de um balde de água sobre a roldana infernal que relincha descontroladamente. Talvez depois haja beleza no refúgio da âncora, no fundo, e numa prisão que até pode ser conveniente. Mas dificilmente haverá amor pela fraca destreza demonstrada e, muito menos, pela obrigação de ficar.
As intensidades pulsam, meditam e hiper-ventilam ao sabor dos pensamentos feridos. E porque ninguém respeita a insanidade, a mão amiga que bloqueia a loucura—nestes instantes—é o medo de cair na própria loucura. Sim, esta mão nunca pára de embalar o berço da recém-nascida sanidade. Esta mão quer amparar toda a circunstância que possa crescer e que possa resultar. Esta mão segura a explosão da cabeça com passatempos degradantes, e traça os riscos nas paredes a contabilizar os dias em que o tempo é devorado por estranhos.
Quando calha, lá vem a mão de um semelhante pousar sobre os ombros; pode ser a mão de amigo e de gosto pela presença mútua, ou então, pode ser a mão do golpe da empatia dos grandes vendedores. Em suma, a mão faz-me pensar e duvidar. Olho para elas, para as minhas, olho para as outras das esculturas de pedra, e olho para as unhas que as nuvens fazem lá em cima. Há mão por todo lado. Depois há a mão do rio que é diferente, porque faz sentir que pode haver um cadáver a completá-la. Mas haverá corpo desta vez? Não, nem corpo nem mão, porque é uma luva cirúrgica na estranha posição de estar virada para cima—quase a romper a camada superficial—em pose de garra de lobisomem e a querer rasgar as carnes do céu. É impossível não bater os olhos naquela mão pálida que também pede esmola de palma exposta ao mundo, quase como um fóssil envolto por endurecido âmbar, imune ao tempo e à mercê da suave corrente. Lembrei-me logo dos mamutes conservados no gelo. E lembrei-me dos multimilionários, cujo ego nem na morte descanso lhes deu, ali, mergulhados e "criogenados" em panelas gigantes, à espera que a vida lhes volte a sorrir de novo, talvez em Marte.
Enfim, muitos dirão que só com mão-de-ferro—fundamental na procura de soluções de boa intensidade e crucial na boa-educação dos pequenos bem-estares—é que sobrevive o domínio pela arte de existir, entre a audácia e os planos-de-fuga. De resto, de mão-em-mão como estafetas numa corrida, é esta a imagem que circunscreve a rota iludida e competitiva do sangue-novo. E é também de mão-em-mão como anéis de ouro que se fecha o ciclo da mudança dos que já desistiram. E tudo isto é tão estúpido quanto as graciosas pessoas que à beira de mim passeiam os cães encoleirados, e que se dobram menos graciosas para colectar com as próprias mãos a merda que já não pode ser pisada.
No rigor da realidade—e como diria T. S. Eliot—todos os homens são de palha (e com mãos de palha, evidentemente). Ou seja, vazios, apoiados uns nos outros, mal-convencidos, nus e a espernear dentro de uma viagem. Muito diferente da mão que viaja no rio; que é a mão dos que nunca existiram e dos que nunca espernearam, nem viajaram, nem desistiram, e cuja intensidade é aquela que passa diante da minha reacção, a estupidificar ainda mais a forma como escondo as minhas mãos dentro dos meus bolsos.