Já e tarde e o mundo todo ouve
Podemos cantar uma canção qualquer que não nos deixa
Todos tocam separados os seus instrumentos
As moçinhas com mochilas nas costas e uniformes escolares
Os velhos sentados nos bancos da praça pálidos de reumatismo
Cantarolando imperceptível uma canção
A canção do mundo
Uma canção roubada da imundície
Nas redações dos jornais ou nas celas sentados em caixotes de madeira
Os mendigos os bêbados e as crianças
Afogados e ungidos de indiferença ate aonde a canção lês alcança
A canção do mundo
Que fere os já derrotados
Que exalta os tiranos conquistadores
Que enterra seus mortos em valas
Uma canção que faz escravos
Que traz os loucos para as ruas, para a noite.
Que abre as portas do inferno
Uma canção cantada no silencio
Repetida pelas almas do porão
Recitada pelos antigos, por Aleister e outros.
A canção que cala as vozes gritantes
Que rouba corações ingênuos
Que mata bebes no sono
Que acha este mundo pequeno
Uma canção de fogo e de gelo
Que ri das piadas sem graça
Que passa a peste e as dores
Que faz da cura a doença
Uma canção rezada nas preces de altar
Que pos os pregos na carne e na cruz
Que viu o Cristo sofrendo
Que fugiu pro deserto sozinha
Uma canção irmã das pragas
Que trouxe o óleo aos oceanos
Que ensinou aos homens a arte da caça
Que trouxe os exércitos e a guerra
Uma canção pra contagem de corpos
Pros túmulos escancarados dos saques
Pros leitos lotados dos hospitais
Uma canção repleta de medo
Repetida pelas turbas de jovens loucos e selvagens
Atrelada aos cavalos noturnos da morte
Uma canção exaltando o ódio
Que e racista e idiota golpeando os asiáticos os judeus e os negros
Que lança mísseis que cortam os ares
Que explode minas que amputam membros
Uma canção roubada da imundície
Que segue em cortejos que repetem em coro
Que cria ladrões e assassinos
Que faz das prisões suas caixas de ódio
Uma canção pra resistir e seguir com o tempo
Pra não deixar a espada na bainha ou o revolver no coldre
Nem a lança parada e sem golpes
Uma canção pra sabermos o que somos
Pra enterrarmos nas carnes dos outros
Destruirmos suas vidas tão simples
Uma canção pra lançar contra a lua
Uma canção que apaga o sol
Um estribilho de brasa cinzenta
Uma canção que gosta de sangue e fogo
Uma canção roubada da imundície
Uma canção que o mundo canta
Atrelada ao homem desde sempre
Presos os cantores insanos do mundo
Uma canção que não morre com o tempo
Uma canção sussurrada aos ouvidos dos recém-nascidos
Uma canção que corre nas veias com o fluxo do sangue
Uma canção para os olhos estéreis dos mortos
A canção da foice e do capuz
Que não reconhece vitorias nem se importa com sonhos
Que mata os heróis e segue os vilões
Uma canção roubada da imundície
Que incendeia aldeias e estupra meninas
Que cala os poetas e acorda os vulcões
Uma canção pra ser latida por cães e rugida por feras
A melodia repetida nos tiros
Uma canção de espinhos e chicotes
Que explode com as bombas nos carros terroristas
Uma canção entoada no choro que leva bebes mortos pra ultima morada
Uma canção solta no mundo
Que uni as vitimas e as desampara
Que esta nos pratos vazios da fome e na terra seca sem chuvas
Uma canção de enxurradas que afoga os distraídos dentro das casas
Que carrega seus últimos valores pro lodo imprestável
Uma canção pros bordeis decadentes e pras veias picadas dos viciados
Uma canção de quem atira de longe e acerta o alvo
Daqueles que golpeiam de faca nas noites dos bares
Uma canção roubada da imundície
Que e muita que e todas e é única pra todos
Uma canção de horrores e sombras
De tragédias e guerras
Uma canção que não acaba e cresce
Uma canção tocada e tocando como a peste
Uma canção dos fracos dos trôpegos dos covardes dos humanos
A canção que o mundo canta
Uma canção roubada da imundície.