Percebo que pouco a pouco
A vida que se me faz fugidia
Desperta meu desejo louco
De pensar na morte todo dia.
Não trago mais aquele fogo
Aceso dentro do peito. A pira
Funerária envolve meu corpo
Na mais vívida e vil melancolia.
Passo dias e noites recordando
A querida e mais pura puerícia.
Nisso sinto correndo o pranto
Nascente nos olhos sem alegria.
Então vem minha outra metade
A parte que mais aprecio e amo
Digo-lhe o tamanho do desengano,
Do tanto que sentirei dela saudade.
Feito o pegureiro sem a rota correta
Beijo os lábios daquela boca veludosa
Assisto a rubra face ficando cor-de-rosa
Sendo assim, pego do papel e da caneta
E vou contando, cantando, a nossa história
Do tempo que se foi e vai nos devorando
Dos nossos dias tristes e os dias de glória...
Beijo-lhe a boca novamente, chorando.
Nauta na partida, náufrago sem porto
Sou o eterno amante, eterno peregrino
Assisto, partindo dentro de mim, o menino
Vejo meu corpo jaz numa louça, morto.
O pranto nostálgico banha o rosto meu
Machucado e ferido fica o pobre coração
Olho os úmidos olhos agigantados teus
Que vertem mil lágrimas por mim, em vão.
Busco repouso e amparo no teu regaço
Descanso a tristeza estampada na fronte
Feito um pássaro preso em visgo, em laço
Fito, já longínquo, o meu mais Belo Horizonte.
Desfazem-se elos. Dissipam-se tempestades.
Aquieta-se, sossegado, o senhor do oceano.
Sacodem as asas um casal de lindos anjos
Que ninguém jamais saberá as suas idades.
No futuro, atrás do muro, um vagido de dor
Que geme e se contorce sobre a lápide infeliz
Que, com a voz embargada, soluçando, diz:
Adeus! Adeus! Morreu meu maior... Trovador!
Gyl Ferrys