Chateia-me o custo abusivo do estacionamento pré-pago.
Chateiam-me os arrumadores de carros, desesperados por uma moeda de cinquenta cêntimos.
Chateia-me ver a fome estampada no rosto de jovens desacreditados do presente e no futuro.
Chateiam-me as filas no McDonald’s, para um hamburger e um copo com mais gelo que bebida.
Chateia-me o Pai Natal com óculos sem lentes e barbas brancas de algodão.
Chateiam-me as canções de Natal, monocórdicas e repetidas no mês de dezembro.
Chateia-me caminhar por uma estrada sem luz.
Chateiam-me as albufeiras a prender e a impedir as águas dos rios de descer e os peixes de subir.
Chateia-me o frio e os dias consecutivos de chuva.
Chateiam-me as picadas dos insectos e as axilas transpiradas no verão.
Chateia-me o aprendiz de ditador, saudoso das medidas absolutistas e do mofo do manto púrpura.
Chateiam-me os excessos da democracia, quando esta fabrica demagogos e desonestos.
Chateia-me ouvir sempre “sim, tem razão, concordo, excelente”, quando se ficou aquém da perfeição.
Chateiam-me as pessoas ingratas, as curiosas demais e as que procuram pequenas fendas nas paredes dos outros, quando as suas paredes caíram no último dia de vento fraco.
Chateia-me o cheiro a chulé e os sapatos de má qualidade, comprado por uma bagatela.
Chateiam-me as meias de lã duvidosa, vendidas ao kilo nas lojas com cheio a plástico, ou entre os gritos de vendedores ambulantes nas romarias.
Chateia-me ouvir um acorde de guitarra desafinado.
Chateiam-me os programas de televisão, que fabricam celebridades que cantam e dançam e os abandonam depois acocorados nos seus sonhos.
Chateia-me o ranking das escolas, para aferir sucessos duvidosos, pondo em confronto titânico o ensino público e privado, como se afirmando "a minha gaita toca melhor do que a tua".
Chateiam-me os exames nacionais, que exigem às crianças esforço maior de estudo, roubando-lhes o tempo de brincar.
Chateia-me quando me fodem a cabeça.
Chateiam-me quando ficam fodidos por eu lhes foder as deles.
Chateia-me ter de dizer num texto tanta coisa que me chateia.
Chateiam-me as horas em não sei dizer nada, por nada me chatear.