Poemas : 

Parto

 
Sinto-me uma parte da laranja,
Um pedaço de astro destacado
De outros astros, quem se arranja
De forma estranha do outro lado.


Sinto um parto de planta
Ao parir uma semente
Que cai entre pedregulhos,
Entre escórias e entulhos.

É uma dor inconveniente,
Dor de rocha, dor de pano,
De vento varrendo oceano.
Sinto uma dor cor-de-gente.

Por vezes eu sinto um dente
Do dia que amanhece sorriso
De pente que penteia cometas;
De peixes em lubricidades com rios.

Pinto o silêncio com tintas
De vidros transparentes
Para que a aparência do som permaneça
E cresça na mina
Da minha cabeça,
Nas cercas brancas
E nas verdes paredes
Da minha mente que mente
E te vende uma verdade
Que foi mentira sempre.

Ria. Mas creia
Que a centelha acesa
Não cresce na mata
Nem em campo de batata
De quem nada semeia
Ou de quem lavra
E rastela castelos na areia.

Assim o poema já nasce torto
Assim o sistema já nasce morto
Um touro mocho no cerrado
Nos topos dos serrados do M
Na semântica manca do verso.

Sinto uma dor de parto de pedra
Nascida na serra, na terra preta
Das alamedas de abetos
Cobertas de teias
Das aranhas caranguejeiras
Fúlgidos flagelos
Das letras negras
Do meu alfabeto,
Das janelas abertas na capoeira.

Meu ventre se parte após o parto,
Após o infarto
E o que tenho
É lume do lenho
Engendrado que é tema
E mistura de amônio e de estrela,
De Antônio e de Estela,
De anjo e demônio,
De estela e esterco
Na natureza besta deste poema.



Gyl Ferrys

 
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