DIARIOS DE OFICINA - IX
Sabado, um de dezembro
Os penduricalhos da tampa de cisterna estão prontos, aguardo apenas Seu Vavá, o dono indicar as suas posições. Mestre Bardaux deu-me dez reais em duas cédulas de cinco, devolvo-lhe uma. Estou devendo-lhe um serviço passado. Seu Obina esta todo feliz como pintinha ns bosta, o Gol esta na garagem, veio chamar-me cedo pra vê-lo.
A bursite do braço direito continua perturbando. Seu Obina sentado na calçada alta de Dona Edna de frente pára sua garagem namorando o possante, enquanto degusta um pacote de bolachas, chamo-o para sentar-se na sua cadeira, mas nem liga, quer mesmo é dirigir o possante. Apanhei água na sua fonte, ao entrar no beco fui anestesiado pelo odor gostoso de terra e mato milhado que invadiram as minhas descontraídas narinas, faltou apenas o doce cheiro da bosta de boi.
Ultimamente estou muito relaxado, troquei os clássicos que tanto amo e admiro por George R.R. Martins. Depois que encerrar essa releitura da "Guerra dos Tronos - I" penso em encarar o velho bruxo do Cosme Velho, o genial Machado de Assis, relendo "As Memorias Póstumas de Brás Cuba" - As medidas da tampa ficaram meio-sentimento menor.
Quase meio-dia. Seu Vavá não apareceu. Em compensação Seu Bude abriu a reunião, depois chegou Gordinho e Samuca, o pedreiro que estava inspirado com umas duas cachola. Dona Vanda pediu-me para guardar um par de botas em bom estado que achou na calçada de Seu Obina perto da lixeira de suas quitinetes. Seu Bude já tinha "passado o pano" nela, mas ficou na duvida. Então dei-lhe.
- Deixa Dona Vanda comigo. Ela não iria fazer uma doação, então - disse-lhe para acalma-lo e coloquei logo dentro da sacola.
Seu Zé, caxingado devagar, com problema na coluna, contou que teve um colapso tão grande de dor que não conseguia ficar em pé ou se locomover quando chegou na Unidade Mista Itaqui-Bacanga que lhe aplicaram um injeção de Morfina, que o deixou bem relaxado e anestesiado. Cara que legal! - pensei, adoraria tomar uma dessa.
Um por um foram saindo, restando apenas Seu Bude e Nhá Pu recordando o tempo que moraram na Vila Palmeira
O radinho caiu e silenciou-se, uma pilha correu para debaixo da mesinha do canto.
_ Seu Raimundo! - grita Seu Obina aproximando-se, sem camisa e pitando. Esparra-se na sua cadeira.
- Doutor! - exclamou com uma voz estentórica que ecou na rua toda, o carroceiro Rafael sentado no varal da carroça que passa lentamente.
Seu Obina injuriado com Seu Cardozo, o merceeiro e Seu Apolônio que teceram uns comentários negativos em relação ao seu vicio de fudão
- Ah! eu não dou meu dinheiro para essas vagabundas - disseram para espevita-lo, sabe que ele não mede esforço para satisfazer a sua tara e gasta todo seu salario com as pixixitinhas. Cada um na sua.
- Que vê o motorzinho dele? - Convidou Claridio para verem o possante.
- Seu Raimundo! - Sauda-me da calçada Seu Moreira com sua reluzente camisa vermelha.
Seu Antonio, o negão forte das polpas de frutas empurrando o carrinho de três rodas com a caixa de isopor, desvia-se da viatura de uma prestadora de serviço telefônicos que estende um cabo e dois operários de capacete azul, ambos carregam uma escada nos ombros.