.
Eu não me lembro mais de nada. Era sobre a cratera que um dia se abriu e engoliu um ônibus. Não sei se era um ônibus. Engoliu alguma coisa. Um viaduto. Um pontilhão. Matou ou não matou, eu não me lembro. Mas a pessoa que viu a cratera, e o perigo que a abertura da cratera representava para tudo aquilo que pudesse ser engolido, essa pessoa ficou impressionadíssima. Teve a impressão inequívoca da urgência da vida. Daquele instante vivo que ela tinha para pensar sobre absurdos de vida e morte nas crateras do mundo. Então os detalhes específicos da cratera não importam para o que eu quero dizer. É uma história genérica, uma parábola. Nunca houve cratera. A pessoa que viu a cratera, mentiu que viu. Ela imaginou a cratera e toda essa história existencial que se pode extrair da crônica da cratera. Mas as crateras existem. Los Angeles está em cima de uma placa tectônica que é um perigo. Uma rachadura. No Brasil não há esse perigo, somos uma placa só. Estamos salvos das crateras. Eu devia ter dito isso para a mulher que me contou a história da cratera. Ela disse que viu a cratera. Não. Quer dizer. Disse que viu pela televisão, ou no jornal, ou na timeline. A cratera do tempo. Essa mulher que me contou disse que ia transar o mais que pudesse, antes que a cratera chegasse a ela. Eu entraria na cratera. Porque fora da cratera é dentro da caverna, na perspectiva da cratera, tá entendendo? O que está embaixo é como o que está no alto. Hermes Trismegisto. Jorge Ben. Esse disco é do caralho. Vou colocar.
.