O CORONEL
-- "É, menino, eu já fui homem
Duro e acostumado ao mando!
Mas o tempo foi passando
E as certezas todas somem
Aos meus olhos vez em quando."
"Sou um homem vivido.
Conheci belas mulheres
E amoleci nos quereres
De ter sido bem querido
Após muitos malmequeres..."
"Em casa eu tinha uma dona
E filhos que nem escada.
Fora, fazia pousada
N'algum quarto lá na zona
Ou junto a mulher casada."
"Embora morasse na roça,
Pus outra casa na rua
Aonde ia sob a lua
Visitar formosa moça
E deitar em cama sua."
"Por teúda e manteúda,
Passava o tempo sozinha,
Dizendo-se toda minha...
Já perfumada e desnuda
Quando avisava que vinha."
"Nova, era a minha pequena
Seus beijos, gotas de mel...
Seus olhos, límpido céu...
Seu peito, olor d'açucena...
Seu colo, um nobre pitéu!..."
"A velha em casa notava:
-- "'Tanto apuro no vestir...
Por que sempre um ir e vir?
Por que fora pernoitava?
Chegava e tornava a sair!"'. --
"Nunca me dizia nada
Mesmo sabendo de tudo...
Entra calado e sai mudo
Quem tem a culpa estampada
Em pleno olhar, sobretudo."
"Vivi, desavergonhado,
Por anos e anos assim.
Até que a pequena enfim
Partiu para outro estado,
Como fugisse de mim:"
"Topei co'a casa vazia...
Não deixou nem um bilhete.
Das roupas, nem alfinete!
Nada mais na sala havia,
Senão poeira no tapete."
"Voltei p'ra roça humilhado,
Sempre a esconder meus ais
De minha dona e os demais...
Hoje, esquecendo o passado,
Na rua eu não volto mais!
Betim - 10 11 2018
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.