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Esculpir d'afectos

 
Tags:  poesia    poemas    memórias    Atenas  
 
Das lezírias os trevos declinados ao sopé das colinas
e dali, das estrebarias, o cheiro das aveias e dos fenos
a esculpir d'afectos as narinas abertas dos animais.

Afago ao de leve cerdas ao tempo,
entrelaço, na brandura da noite, uma a uma,
pérolas, fitas coloridas, em crinas hirtas de poemas
e deixo que minha cabeça tombe
que livre entorpeça e sonhe se carrego todas as dores
das negras mulheres d’Atenas.

Abraço-te p’lo pescoço,
coloco o pé descalço em estribo. Ágil, salto.
Aninho-me então longitudinalmente em teu dorso.
Segredo-te felina ao teu ouvido:
- Sabes … Gosto! Gosto quando me prendes,
quando me dobras pela cintura
e examinas o que se mostra, o que se esconde,
no vórtice sedoso do decote …
Quando me mordes, quando me sorves
a derme
a verve
do corpo a alma inteira.
Gosto… do teu desejo, do teu toque…

E de novo e novamente m’enlaças
e me danças lépido e franco
e me profanas
e me endeusas na sensualidade latina de um Tango
o fogo alado do meu corpo…

Neste rio inexpugnável de lembranças
de que me (re)invento e jejuando, m’alimento,
viajo mística em várzeas supremas d’alecrim e d’hortelã,
saio e entro,
mil vezes,
vezes sem fim, em celibato de alma,
em nomadismo cigano, por dentro do rio salgado de mim
sem hoje
sem amanhã
…assim.

E sou ausência
e sou presença aconchegada nos meus braços;
E sou Infanta
se danço a valsa debutante na ternura, na tremura dos teus passos…


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Autor
Mel de Carvalho
 
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Enviado por Tópico
Luis F
Publicado: 02/04/2008 10:47  Atualizado: 02/04/2008 10:47
Colaborador
Usuário desde: 15/08/2007
Localidade: Alcochete
Mensagens: 1184
 Re: Esculpir d'afectos
Mel

Mais um belo momento, de grande beleza...

Permite que reproduza esta breve passagem:

"E sou ausência
e sou presença aconchegada nos meus braços;"

Ler e ficar encantado pela beleza emanente das tuas palavras.

Bjs

Enviado por Tópico
Julio Saraiva
Publicado: 02/04/2008 11:44  Atualizado: 02/04/2008 12:12
Colaborador
Usuário desde: 13/10/2007
Localidade: São Paulo- Brasil
Mensagens: 4206
 Re: Esculpir d'afectos p/Mel
"E de novo e novamente m'enlaças/e me danças lépido e franco/e me profanas/e me endeusas na sensualidade latina de um Tango/o fogo alado do meu corpo.../" E mais adiante, no remate final: "E sou ausência/e sou presença aconchegada nos meus braços;/E sou infanta/se danço a valsa debutante na ternura/na tremura dos teus passos..."
É sempre bom respirar estes seus versos. Fechar os olhos e pensar suas imagens, uma a uma. Num tempo ruim, onde o lirismo é por vezes peça de descaso, quando não de deboche, você o cultua sem medo nenhum, e o coloca no altar onde merece. Claro, há os riscos inevitáveis que os poemas de amor oferecem. Existe, o que ocorre na maioria das vezes, a possiblidade de se cair no melodrama, no lugar-comum. Suas palavras, no entanto, têm força. Sua lírica se impõe com o respeito de quem tem o domínio pleno do verso. Você conduz a poesia. E sabe fugir do óbvio. Cada imagem é uma surpresa. Faz bem para a alma da gente ler a Poeta do Amor logo pela manhã. Impossível não sentir o fogo da paixão em cada verso. A Poesia, orgulhosa, agradece. Enquanto nós, mortais comuns, nos curvamos e dizemos amém. Bom dia, Poeta. Abraço afetuoso e fraterno. Do outro lado do oceano,

Júlio