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MALDITOS!

 
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MALDITOS!

Quem são estes cuja luz fora apagada
E, insones, têm nas noites seu refúgio,
Atravessando em vão a madrugada?

Só querem ao poetar vago transfúgio
Da vida d’esperanças comezinhas,
Bem como contra o tédio subterfúgio?

Estes -- que vêm deixar nas entrelinhas
Toda sorte de angústias autorais --
O que buscam por horas tão sozinhas?

Por que se fazem poetas? Por que mais
Buscam tirar das letras o sublime,
Senão por se sentirem sós demais?

Que furtaram aos deuses? Qual o crime
Cometido na aurora dos milênios,
Cuja pena a escrever nunca os redime?

Sem diferir se néscios ou se gênios,
D’onde foi que obtiveram tal saber
Que os obriga a versar entre proscênios?

Como estes que escrevem ousam ler
Nas linhas d’horizonte um sol errático
Por entre arranha-céus a amanhecer?

Como alguém -- entre excêntrico e lunático --
Gastando a vida inteira com escritos
Despidos de qualquer sentido prático?

Malditos! Sete mil vezes malditos!
Estes que têm os versos por oráculo
Havendo além dos céus mais infinitos...

Malditos os que têm pelo vernáculo
Um carinho de artista incompreendido,
Que se imola no altar do tabernáculo!...

Dom às avessas!... Bênção ao inavido!...
À margem das promessas e das glórias,
Poetar é desdenhar o conhecido...

É saber inventadas as memórias
Ou, de belas mentiras, a verdade
Pretendida em suas vãs histórias.

Desastrólogos do alto! Sede, poetas,
Malditos pelos séculos dos séculos,
No augúrio de catástrofes completas!...

Vinde e vede: Reviram-vos d’espéculos
As vossas cavidades buscando alma,
Tal como fazem monges ‘inda séculos.

Terminais por viver tão-só o trauma
Com que fostes há muito amaldiçoados
Com nenhuma paciência e pouca calma.

Facto: Malditos porque mal falados.
Porque muito mal lidos; mal descritos...
Os bons? Somente os mortos, os finados.

Tantos a maldizer-nos os escritos:
-- “Antiquados!! Herméticos!! Absurdos!!!”
Ou sem nem ler (assim assim): -- “Bonitos...”

Se declamamos, fingem estar surdos;
Se publicamos, fingem que são cegos;
Um povo sem país igual os curdos:

Poetas... Filhos de sós desassossegos
Sempre a penar sem pátria e sem dinheiro,
Indo sobreviver de subempregos;

Ou distante vagando, aventureiro,
Que por entre as palavras em vão erra
Sem nunca encontrar um paradeiro.

Hoje, até Ahasverus possui terra!
No mesmo confim onde Israel governa
E o ismaelita de novo se desterra...

Não os malditos... D’esses é eterna
A caminhada errante vida afora
Atravessando as noites na taverna.

Ali, já sem saber se ri ou chora,
Senta-se e escreve em plena solitude,
Alheio mesmo da hora de ir embora.

Eis dos poetas a glória e a finitude:
Por fim, indiferentes se são lidos,
Já nada nem ninguém ora os ilude.

E ainda que por todos combatidos
Gargalham das desgraças do passado
Enquanto as do presente nos ouvidos.

Mas por fim se revoltam contra o Fado,
Quando entregues à própria escuridão
Caminham co'a miséria lado a lado.

E, d’entre eles, eu: Com talento ou não,
Arrasto estes meus versos qual grilhões,
Sabendo-os meu tesouro e maldição.

Peno eu -- mais três ou quatro gerações --
Amaldiçoando todos no pecado
Que nos predestinou junto aos vilões!

Deveras, parvo e obscuro antepassado,
Pus minha iniquidade sobre os meus,
Uma vez para sempre amaldiçoado...

Antes já natimorto entre os plebeus
Que agora constranger-nos desde o gen
Viver em guerra infinda contra Deus!

Como ignorasse d’onde a bênção vem,
Sem temer me cobrir de pestilências...
Maldito, escolho o mal e evito o bem.

Ao desdenhar de Deus suas violências
Sobre mim e meus tristes descendentes
É que busquei nos vícios experiências.

Uma vez condenado, ranjo os dentes
Urrando contra as hostes celestiais
E a multidão submissa de seus crentes.

Sim, vêm me perseguir feito animais:
Tendo a marca de Caim -- homem de cor --
Com os filhos de Cam eu ergui baais!

Excluído do povo do Senhor,
Sigo a errar d’outro lado do Jordão
Como a face d’opróbrio e do terror:

Quem de longe me vê na imensidão
M’escojura qual visse o deus Moloque
Com chifres a queimar na escuridão!

E vem me apedrejar sem que o provoque
Para que assim me afaste mais ainda,
Pintando-me um demônio sem retoque.

Certo que minha culpa jamais finda,
Aos olhos d’estes homens bons e justos
Convém lhes evitar a terra linda.

Vagando nos desertos entre arbustos
A medo de topar quem quer que seja
E alerta de perigos e outros sustos...

Resta rogar a Deus, por onde esteja,
Que me mate antes qu’eu, de todo aflito,
Devolva ao mundo o mal que me deseja!

Só sei não ver justiça no infinito
Expurgo de más culpas cuja pena
Me faz eternamente ser maldito.

Turvando a vista pela tarde amena,
Como encontrasse Deus um peito ateu
Em ascensão por sobre a luz terrena.

Foi então, do profundo abismo, qu’eu
Tive a visão do fim de tudo e todos
Pós-que o sol trás-às-nuvens s’escondeu.

A noite fez-se eterna nos engodos
D’um extremista, homem de bem ou ambos
Para vencer por todos meios e modos:

Os narcotraficantes com escambos
Mais os supremacistas pelas armas
Contra negros, asiáticos ou jambos...

Seguem todos às voltas com seus carmas,
Fomentando desastres para, enfim,
Ouvir sete trombetas soando alarmas.

Fazem o escatológico festim:
Em celebrações de ódio genocida,
Urgem d’Humanidade o triste fim.

Rudes, vêm vomitar sobre a avenida
Toda espécie d’estúpida revolta
Tendo absoluto horror da própria vida.

Como fossem corcéis à rédea solta!...
Como em carga de audaz cavalaria!...
Vão levando violência à sua volta.

Irmanados na ardente primazia,
Impõem enfim seus males a oprimidos
Embora revestidos de ousadia.

Longe, escuta-se o pranto dos vencidos,
Bem como outros tantos uivos e ais
Já n’um clamor uníssono vertidos:

Partem agora para nunca mais
As utopias d’uma terra justa
Onde, sem males, todos são iguais.

Curvam-se a uma ilusão que nos assusta
Pelo que nos pretende distinguir
Por entre bons e maus à face augusta.

Senhores do presente e do porvir,
Os bárbaros já uivam sob a lua
E clamam por façanhas de se ouvir...

Jactam-se sobre gente seminua
Que vaga pelas sombras da cidade...
E acabara morando em plena rua.

Ameaçam, com toda a propriedade,
Àqueles que muito pouco têm...
Certos de que já donos da verdade!

Pois bodes expiatórios lhes convêm
E as cabeças jogadas contra o asfalto
Mal sobre seus pescoços se sustêm...

Avançam sobre o douto e sobre o incauto
Céleres em calar todas as vozes,
Nos mantendo em constante sobressalto.

Vão vindo como as hordas mais ferozes
Sempre com mais exércitos por trás,
Fazendo correr sangue feito algozes.

Com guerra, vêm impor-nos sua paz
E após jogar na vala mais comum,
Onde pouco importa quem lá jaz.

Milhões vociferando como se um
Os mesmíssimos ódios e violências;
Indo apressados p’ra lugar nenhum.

Esvaziaram as suas consciências
Berram d'olhos vidrados para além,
Indiferentes já às consequências.

Culpa de todo mundo e de ninguém,
Co'as mãos sujas de sangue dizem ser
Maldade contra os maus acto de bem...

Vêm em nome de Deus estremecer
-- Frase após frase infeliz --
Amizades a ponto de as perder.

Clamam todos por Deus n'esse país!
Como o Senhor amasse uns e outros não.
Sem embargo, Ele nada faz ou diz...

Sim, Deus se cala face à escuridão
Que s'estende por sobre a Terra inteira,
E os homens abandona à danação.

Pois nega-se a negar a verdadeira
Razão por trás de tais atrocidades,
Queimando bons e maus pela fogueira.

Permite que a maldade nas cidades
S'eleve finalmente como regra
Acima de quaisquer necessidades.

Desunida, a Nação se desintegra
N'um fundamentalismo evangélico
Que ainda amaldiçoa a pele negra.

Dos generais, de novo o sonho bélico
D'entrar em território fronteiriço
Ou arrastá-lo n'um jogo maquiavélico.

Entrementes, o povo já submisso
Tolera que se mate e se torture,
Como fosse patriota tal serviço.

Mas homem com outro homem configure
Uma abominação contra a Natura,
Onde assassine ou exija que se cure!

E, evocando do Apóstolo a luz pura,
Com Doutrina cristã e militar
S'ensine nas escolas a Escritura.

Se mesmo contra Deus alguém ousar
Ainda escrever seus versos satânicos
Não deixe algum censor os apanhar.

Tempos mudam; as mentes, não... Tirânicos
Os modos de calar a quem escreve,
Enlouquecendo-o com cismas e pânicos.

No mais, nunca se julgue a pena leve
D'este que sempre às voltas com escritos
Tem p'ra si que longa a arte e a vida breve.

Poetas... Se no horizonte d'olhos fitos,
É sabermos ter logo de fugir
Ouvindo a multidão gritar: Malditos!

Betim - 06 11 2018


Ubi caritas est vera
Deus ibi est.


 
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RicardoC
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Enviado por Tópico
Gyl
Publicado: 08/11/2018 13:38  Atualizado: 08/11/2018 13:48
Usuário desde: 07/08/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 16148
 Re: MALDITOS!
Bendito Ricardo!
Tercetos em terça rima ( nem sei se pode se dizer assim) que te aproxima do Parnaso. É um dos grandes da atualidade. Sagacidade rara que me lembrou muito a de Castro Alves. Parabéns pelo poema. Um dos melhores que tenho lido ultimamente. Abraços!


Enviado por Tópico
ZeSilveiraDoBrasil
Publicado: 12/12/2018 10:48  Atualizado: 12/12/2018 10:50
Administrador
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Mensagens: 2217
 Re: MALDITOS!
abraçando brasilidades, e concordando com vocês dois, poetas, no que fora posto aqui nas intervenções quanto ao conjunto de terças em rima; transportei-me para os cordéis e repentes, quiçá também às parlenda, (quais também são escritos em tercetos), pela composição em alternância harmônica dos versos (perdoem-me se estou equivocado). mas foi meu singelo olhar no que li em MALDITO. Dá prazer lê-lo. Cumprimento-o.

meu abraço caRIOca