O monóculo deste ourives
escorrega tão devagarinho
na tez em suor e enrugada.
E, ao sabor de alguns declives,
em muito intrincado caminho,
constrói rastos da madrugada.
(quando as pepitas em bruto chegam às suas mãos, não adivinham o que são)
Foge da pressa que chega do chão,
acarinha os ossos do ofício.
Na vida do metal a fornalha
queima mais do que a ebulição
onze vezes, no seu início.
Pedra crua assim se trabalha.
(não basta o suor no rosto. A delicadeza no trato fino do fio roça, breve obra, a escultura)
Suspira criatura pelo criador,
entrançada desde o seu parto
num engano dado a quem a lê.
Obedece a um vasto rigor
de linhas, cabelos, teia; farto
em detalhes, sentidos, bom bouquet…
(a minúcia barroca)
Em que parte da arte tão sua
mistura saber, engenho e voz?
Nas estrofes, a palavra solta
também nesse caderno actua.
E é nesses momentos mais a sós
que surge o tesouro em revolta.
(a metamorfose dita-se; escarnece o cisne e o dia da noite)
Envergonha-se com os bordados
nascidos das próprias mãos em calos,
pensados pra serem um adorno.
Não fosse este o seu fado,
procurar magia nos intervalos,
amaldiçoaria o forno.
(o bronze da sua tez esclarece a bijuteria)
Resulta no brilho de renda,
o desenho feito a luz do sol
que quebra o trabalho em luxo.
Na ideia por ter faz-se lenda,
haja fogueira nesse farol
e sonhos para sonhar ao bruxo.
(no fim das frases as minhotas saem à rua, engalanadas)
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.