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O Coração de Sibilinne

 
A quem pertence o coração de uma pessoa? Pertence de fato a ela? Ou como todas as outras coisas que achamos que nos pertence, está apenas emprestado por um certo tempo? Vivemos e morremos pelo que encanta o coração, seja algo bom ou ruim. Porque o coração não julga, só sente.
Havia, digo havia, mas ainda há, um jardim construído ao longo de um belo rio, muito extenso, de um vale também muito largo e maravilhoso, que abarca uma encantadora floresta verdejante, possuidora das mais lindas árvores, arbustos e flores, que pessoas como eu ou você jamais poderiam sonhar. É numa terra mais ou menos mágica, que alguns chamam de Magônia, e a qual se pode ter acesso atravessando determinada cachoeira, em determinada época do ano, num determinado local, que eu não posso revelar aqui. Essa queda d'água é um portal há muito guardado, numa época em que diferentes dimensões podiam ser facilmente alcançadas.
Lá, viveu um homem, que aqui eu vou chamar de Rhalam , e que foi o maior artista que já existiu, e quero dizer que era o melhor nos dois mundos, ou em quantos mundos você puder imaginar! Foi encomendado a ele uma obra para honrar o vale magnífico do jardim descrito antes, e que foi sem dúvida nenhuma a sua obra prima.
Ele esculpiu em madrepérola, usando tudo o de bom que tinha, a mais bela e realista figura em tamanho real nunca antes vista. Era a ninfa das águas e das florestas, a quem deu o nome de Sibilinne, porque o vento canta ao seu redor, e o seu vestido de madrepérola cizelado abraça as árvores em volta dela, como se o ar freneticamente dançasse em sua homenagem.
Ele se apaixonou por sua própria obra, tal foi a sua destreza em cria-la, que ficou mais real do que as pessoas em volta dela. Foi tão grande a inspiração que guiou os seus dedos e os seus olhos, que deixou impresso na pedra os traços mais belos e suaves que se possa conceber. E todos os que a contemplavam, temiam que a qualquer momento, pudesse Sibilinne descer de seu pedestal e dançar ao som das fadas na margem do rio. E foi tão grande o seu amor por ela, que queria que ela vivesse para partilhar com ele a rude vereda de sua vida.
Então, ele fez algo que jamais imaginou fazer. Atravessou um mundo inteiro, e uma história de aventuras, para ver Aine, a rainha das fadas, e pedi-la um favor. Ele queria que ela desse vida à sua Sibilinne, para que ela pudesse ver quão lindo era aquele mundo, e como ele a amava.
Aine podia muitas coisas sim, mas havia coisas que ela não poderia fazer, e uma delas seria dar vida a algo inanimado. Era preciso mais do que apenas vontade para que Sibilinne pudesse viver. Era preciso um coração!
As fadas são instrumentos do destino, por isso a origem da palavra destino remonta às fadas, já que "Fatum" ou fado, significa, destino! O destino não é bom ou mal, ele só é aquilo que você espera e acredita dele. E Aine, sabendo do destino de Rhalam, contou-lhe sobre a Torre de ébano. Uma torre negra e alta, a maneira de uma árvore, que sobe aos céus em patamares cada vez menores, até formar no cimo uma ponta feito agulha. Lá, ele deveria colocar o seu coração, para que a irradiação dele desse vida a Sibilinne cá embaixo. Só assim, poderia trazer Sibilinne a vida. Um coração pelo outro.
E assim ele o fez! Atravessou mares, desertos e pântanos, e enfrentou seres inomináveis que eram inimigos do amor e da ternura. Encontrou obstáculos intransponíveis, que só os grandes heróis poderiam atravessar. Ressurgiu da opressão e da cegueira alheia, como o Fênix o faz de suas próprias cinzas. Galgou montanhas e desceu abismos, pulou desfiladeiros e velejou com o vento... Para, só assim, finalmente, encontrar diante do horizonte - altiva e bela - a Torre de Ébano.
Ele precisou escala-la, e ao subir, teve de enfrentar os seus tentáculos em forma de galhos, que de forma muito violenta procuravam impedir que ele atingisse o seu cume, e lá desse vida ao seu amor.
Rhalam chegou ao pico, e lá de cima viu todos os reinos do mundo, através de nuvens rosas de um céu muito azul. A ponta da torre esperava o seu coração, e uma luz intensamente vermelha brilhou em seu peito. Era o seu coração batendo, quente e forte, pronto para se tornar o farol que guiaria Sibilinne para a vida, tirando-a dos mares revoltos da escuridão.
O brilho veio quente e pulsante entre os seus dedos, então Rhalam o cravou na ponta da torre, como um orb de luz que se deita na ponta de uma flecha. E lá ele fulgurou em mil clarões escarlates, cintilando e rasgando os céus como uma estrela, para finalmente abrir os olhos de Sibilinne!

Viva, ela desceu de seu pedestal, onde fora cuidadosamente colocada, e pela primeira vez sentiu a relva verde entre os dedos dos seus pés, e o ar fresco das montanhas invadir os seus pulmões e a luz do sol aquecer a sua pele e afagar os seus olhos espantados.
Lá na frente, na fronteira do horizonte, um diminuto brilho vermelho, como um astro distante, não mereceu a sua atenção. No alto, no pico da grande torre, ainda acima das nuvens, a figura de um homem agora jaz congelado no tempo em seu último gesto.
É lá que está até hoje, como uma estátua real como nenhuma outra jamais feita, Rhalam, o seu amor e todas as suas melhores intenções. Petrificado em madrepérola, no exato momento em que atravessou o seu coração na estaca da torre.
Muitos não entenderam o ato de Rhalam. Por que se sacrificar assim, por alguém que nunca vai encontrar? Mas, ao dar o seu coração a Sibilinne, eles tornaram-se um, Rhalam vive agora em Sibilinne, e Sibilline vive em Rhalam. Um único coração em uníssono, para duas almas.
Rhalam não era só coração e corpo. Era alma. Não é fácil compreender almas. É preciso amar para entendê-las, pois só quem ama, pode ter ouvidos capaz de ouvir e de entender estrelas.


j

 
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London
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