PRIMEIRO DE ABRIL
Hoje é primeiro de abril.
Primeiro de abril de mil novecentos e sessenta e quatro.
Não, não te enganes!
Os calendários, tal como os relógios, são uma convenção social e, a partir de hoje, os ponteiros voltam para trás.
Há quem sinta saudade e, nostálgico, prefira algum lugar do passado ao presente. Mas esse alguém, d'essa vez, foi o povo brasileiro ao eleger um ex-militar cercado de militares.
Eu me lembro do que eles fizeram em mil novecentos e sessenta e quatro, doze anos antes d'eu nascer! Sim, eu li como interromperam a ordem institucional em nome do combate à corrupção e do medo d'um levante comunista.
Eu tento entender, juro, eu tento entender. Havia outras opções. Havia outros caminhos. Por que buscar o "novo" no passado? E, sobretudo, n'um passado tão feio?
Ditadura, tortura, censura, amargura e desventura.
Há o medo do bandidismo. Há o desejo de ordem e progresso. Há a necessidade de punir os políticos tradicionais. Há a vontade de tentar algo diferente. Medo, desejo, necessidade, vontade... Outros nomes para manipulação coletiva!
Sim, hoje é primeiro de abril, dia da mentira! O povo passa o dia a trolar uns aos outros. Uns soltam fogos e buzinam. Outros, invadem avenidas e satanizam quem pensa diferente; quem é diferente...
A grande mentira de hoje, porém, é o homem que elegeram acreditando em mentiras enviadas para celulares!
Olho e vejo que nos tornamos piores do que éramos. Sim, a Pátria da democracia multiétnica! A terra do homem cordial! Mitos que se dissolvem diante da realidade d'um povo que se curva diante d'um "mito".
Mas, o que é esse mito?
É um homem que entrou nos noticiários ainda na juventude explodindo bombas;
Um parlamentar famoso pela incoerência de defender o fechamento do Congresso e de fazer o elogio da Ditadura Militar;
Um estranho que preferiu atacar os outros a explicar como fará para desenvolver o país.
Sim, o povo brasileiro assinou um cheque em branco e deu a um lunático. Não sabemos quase nada sobre como pretende governar. Eu, pessoalmente, tenho a impressão de que ele, por suas declarações bombásticas frequentes, passará a maior parte do tempo contemporizando os absurdos que fala enquanto as reformas trabalhista, previdenciária e tributária reforçam privilégios (dos militares, aliás), sobrecarregando ainda mais o trabalhador e o empresariado.
Quando a lua de mel com o povo que o elegeu acabar, ele vai pôr a culpa no Congresso, e fechá-lo!
Quando seus apoiadores encrencados com o Judiciário e o Ministério Público o pressionarem, engavetará!
Quando a Comunidade Internacional questionar seu radicalismo contra os Direitos Humanos (que não, não são invenção da esquerda...) ele isolará o país.
Hoje, meus amigos e meus inimigos, é primeiro de abril de mil novecentos e sessenta e quatro.
Pensem o que pensarem, para mim, demos um grande passo para trás em nome d'uma religiosidade e conservadorismo caducos:
Deus acima de tudo? O Brasil acima de todos?
Democracia, para quê? Estado Laico, para quê?
Aclamemos um rei cristão sem linhagem! Um presidente fardado!
Esperemos que ele mate os trinta mil que vê como mortes necessárias para intimidar os oponentes, sejam narcotraficantes ou não. Já temos matado mesmo, todos os dias. A diferença é que agora alguém lucra com isso.
Sem embargo, não se esqueçam de mil novecentos e sessenta e quatro.
Foram vinte anos para acabar com aquela aventura militar! Quantos anos serão necessários para acabar com esta?
Duvido que apenas quatro.
Betim - 2018
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.