Uma sala escura e um homem que a complementa, quadros vazios de intenção refletem as janelas que trazem luz aos sofás cobertos de lençóis e panos brancos, o chão poeirento brilha o resto de vida que tem, malas descansam à saída da sala esperando uma hora de saída que não aparenta chegar.
O homem, imóvel, de camisa azul clara simples, calças e sapatos igualmente desinteressantes de postura desgastada e uma cara cansada que a gravidade claramente tomou posse observa a chuva que acelera a cada momento que passa, apático, sozinho. Com um subtil movimento reconhece a entrada de uma mulher na sala, mas não se dirige a ela, continua a olhar a chuva com uma conversa baseada em silencio. A mulher com as suas mãos suaves relembra sala a cada toque, cada pedaço de mobília tem o seu peso e ela reconhece-o com devido respeito. A mesa de jantar outrora cheia de pratos e vida, as cadeiras que tanto riscaram o chão de uso e felicidade. Os candeeiros, as mesas de cabeceira as janelas, o chão, a chuva e um homem. Ela senta-se no sofá de costas para a janela, com um sorriso fraco, forçado e frágil.
- É dezembro outra vez… – a mulher relembra com uma voz quase inaudível.
O homem sem reação responde completando a frase.
- Quem me dera que fosse o primeiro.
A chuva intensifica-se, cada um fica claramente mais pensativo e melancólico, a mulher junta os joelhos e abraça-se protegendo-se do frio, à sua direta o homem. Reparando nisto vira costas à janela e começa a mover-se, indiferentes os seus olhos procuram um cobertor que rapidamente encontra, as suas mãos até então presas aos bolsos das calças libertam-se para pegar e entregar o cobertor à mulher. Voltando à sua posição inicial junto à janela começa a falar num tom desprovido de propósito ou emoção, falar por falar, respirar por respirar.
- Nunca desgostei de chuva, nunca a vi como negativa, forte sim, bela, algo catártico, mas nada melodramática, talvez porque sempre me identifiquei com ela…
- Mm.
- Mentira, talvez não seja identificar, talvez a compreenda. Sozinha, presa a uma nuvem é libertada e não tem outra escolha senão cair com um destino que não escolhe, juntando-se a outras gotas e a um lugar que não escolhe. A chuva só cai nunca foi ensinada a mais nada senão cair, a evaporar por uma luz que não escolhe. Extremamente impotente, não é?
- A chuva não tem agencia, mas limpa, repara e tem uma função, quando chove eu escolho molhar-me porque a chuva me limpa e me faz chorar, que mais pode ela fazer? Não lhe peças mais do que isso. – Retorque a mulher com compaixão, numa voz pequena continua – É por pedires muito à chuva que ela não te satisfaz, aceita que cai, aceita não te deve nada e aceita a força que tem, não a que lhe falta.
- Ela satisfaz-me, o meu prazer de a ouvir é saber que ela sendo natureza falha, como qualquer um de nós.
- A chuva não falha, não sejas tolo.
- Serei tolo talvez, mas tolo com razão… Porque é que me estás a olhar assim?
Entre as suas palavras a mulher dirigiu o seu olhar ao homem que não acabou o seu argumento, agora os dois olham-se em silencio uma tensão e uma dor forte entranham-se na pele de ambos.
- Queres mesmo continuar a falar da chuva? – a mulher poe em palavras o que os seus olhos já disseram.
O seu olhar quebra o dela, dá três passos até ao outro sofá perpendicular ao dela e igualmente coberto, olhando o chão repara.
- Que mais há para falar, não nos resta nada a não ser a chuva.
- Não te resta nada a não ser a chuva. - Ela corrige-o – Sabes bem que não gosto quando aplicas a tua lógica ao que eu sinto. Resta-nos muito, estás rodeado do que nos resta.
A mulher com o cobertor pelos ombros levanta-se e olha a mesma janela que o homem olhava, e continua com um desgaste claro na voz.
- Tenho medo de me esquecer do nome que escolhemos, tenho medo que a chuva o afogue, eu quero que a chuva pare.
A chuva ignorante às palavras continua constante talvez mais forte, mais pesada, a mulher suspira com um sorriso derrotado na cara, encostando-se à parede onde começa a janela aproxima-se do vidro, tao perto que os olhos sentem o frio do outro lado, talvez por gosto mantem-se nesta posição durante um bocado.