TREZE DE AGOSTO
É o tipo de bobagem que deixa a gente um pouco mais feliz. Sim, as pequenas alegrias que somadas podem compor uma felicidade plena, gratuita e desinteressada. Estar vivo. Olhar e ver. Aceitar a condição humana com suas misérias e maravilhas... Hoje acordei mal. Muita dor de cabeça e mal estar. Tinha a impressão de que o despertador me furtara horas de sono enquanto me dirigia à cozinha e punha água para ferver. Maldisse a noite mal dormida e a angústia dos impasses no trabalho que me tiraram o sono. Maldisse o café que sorvia sem qualquer gosto e ainda o dinheiro gasto sem prazer no fim de semana. Maldizia tudo que, d'um modo ou d'outro, concorrera para aquele despertar tétrico no qual a própria cabeça me impedia de pensar. O dia só estava começando e já desfilavam diante de mim inúmeras situações desagradáveis, sobretudo por atestarem minha incompetência e inabilidade. Eu precisava virar a mesa, mas faltavam-me forças... Chegava a duvidar de que qualquer intervenção minha fosse ainda algo pertinente. Eu me apequenava ante mim mesmo.
Deixei o dia seguir. Fui para o trabalho e parei para ver a manhã: Alguns minutos de contemplação vazia. Não havia nenhuma paisagem extraordinária diante dos meus olhos ou tampouco epifanias espirituais quando os fechava. Eu olhava e via o mundo tal como era, nem feio nem bonito. Percebi então que, o que quer que acontecesse, eu deveria aceitar como parte indissociável da vida. O fracasso que antevia há dias, ainda que se concretizasse hoje, seria bem-vindo, assim como tantos fragorosos fracassos passados hoje são saudados em minh'alma face à pessoa que me tornei. Coleccionar fracassos dizia muito de mim e de minhas limitações. Eu queria ser melhor do que sou, mas não era. Eu queria, sinceramente, ser mais culto, mais centrado, mais ousado e mais capaz de realizações. Todavia, não passava d'um vago sonhador entorpecido. Minhas miragens interiores não serviram para realizar livros, arquiteturas ou imagens excepcionais. Eu continuo trafegando no limbo em busca de fantasmas obscuros. Esse talvez seja o resumo perfeito de minha vida.
Mas o incrível d'isso tudo é que eu estava feliz. Havia uma postura positiva em contemplar o próprio fracasso, mais do que em celebrar uma vitória, pensava. Eu podia seguir lutando, mas o facto é que fora desmascarado e vilmente exposto: Eu não era grande! Não fizera algo grande quando finalmente tive a oportunidade. Eu falhei novamente, como tantas vezes já havia falhado. N'estas horas, se eu me conhecia bem, a vontade de jogar tudo para o alto e m'esconder n'algum buraco só era não era maior que a necessidade de seguir em frente, apesar dos pesares. Sim, eu tinha-de seguir em frente, com as orelhas de burro expostas e sem a menor esperança de que, talvez, nem todos o notassem. Eu e minhas mazelas. Eu e minhas contradições. Eu sou aquele que não é bom o bastante em nada, nunca fui e nunca serei. Minha felicidade, de facto, era sabê-lo.
À medida que a dor de cabeça passava e o momento autocontemplativo se dissipava, eu chegava ao meu posto de trabalho pleno de consciência de minhas limitações. Aceitá-las, ao invés de me martirizar, era o único bem qu'eu poderia me proporcionar. Ser quem eu era, para o bem ou para o mal, era a unica coisa boa que restava d'isso tudo. Aceitar aquela segunda-feira com todos os seus azares era a prioridade d'aquela manhã.
E assim o fiz.
Betim - 2018
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.