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REALIDADE, IRREALIDADE E SURREALIDADE

 
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REALIDADE, IRREALIDADE E SURREALIDADE

A surrealidade, a meu ver, é antes um absurdo que segreda alguma verdade oculta que mais outra forma de irrealidade. Já irrealidade é qualquer estado de coisas quer não encontra símile n'essa construção coletiva a que denominamos realidade. É, portanto, qualquer incorrespondência ao redor do que duas ou mais pessoas conseguem perceber em comum.

Limitando qualquer proposição a FALSO e VERDADEIRO, a irrealidade seria aquilo que só se relaciona com a realidade por meio da negação e não do embelezamento ou fantasia, como advogam as belas mentiras artísticas. Ou seja, a irrealidade não se trata apenas do FALSO, sim do NÃO-VERDADEIRO. Algo FALSO, com efeito, é antes o que parece verdade mas não é; algo criado com a intenção de emular a realidade. Entrementes, a irrealidade não tem intenção, é apenas a resposta do indivíduo que não corresponde ao observado pela coletividade. Vox populi, vox Dei -- como sintetizaram os antigos -- remete à ideia de que Verdade é o que a comunidade assim o define, expressando, d'estarte, a própria vontade do Divino. Se o conceito que se compartilha torna-se comum, à medida que mais comunidades passem a compartilhar conceitos comuns, mais aquilo que era considerado apenas cultural, tende a tornar-se universal. A grande conquista do cartesianismo, em particular; e do método científico, em geral, fora exactamente dotar povos diferentes de conceitos universalmente aceitos ao fazer da Matemática uma linguagem capaz de atravessar fronteiras culturais. Aceitar que dois mais dois são quatro permitiu a todas as culturas do mundo, por mais diversas, contribuir para o conhecimento científico de toda a Humanidade.

A irrealidade é o olhar dissidente, contrário, questionador do lugar comum, especulador d'algo mais. É o que, correndo o risco de estar completamente errado, o indivíduo assume para si; por pura picardia, às vezes. A irrealidade é o território do sujeito; do subjetivo. Quando alguém consegue convencer os outros de sua verdade -- seja mediante algum método universal como o científico; seja mediante mediante à sedução da linguagem artística -- observa-se a transformação da irrealidade pessoal em realidade coletiva. Não precisa ser uma nova lei da Natureza ou algo profundamente transformador. Basta que lance luzes sobre algum elemento disperso do quotidiano. Se as pessoas, diante d'aquele olhar inovador, passarem a enxergar o que antes ninguém via, pode-se afirmar que uma irrealidade pessoal se aproximou da realidade.

Há quem fale ainda em realidades, não realidade. Tal abordagem assume a relatividade da verdade de uns em contraposição ao absoluto da verdade única. Admitir múltiplas verdades ou opiniões para o juízo de factos semelhantes é próprio das Ciências Inexactas, não das uniformizações impostas pela Cultura ao indivíduo. Quanto mais submerso em sua própria irrealidade, menos capaz participar do pacto coletivo que a realidade pressupõe. Esvaziadas de seus grupinhos, as realidades tendem a se dissipar na Grande Realidade, até desaparecem.

A surrealidade, por outro lado, desafia àquele que se coloca diante dela, à guisa de enigma. Não é a loucura subjetiva da irrealidade do NÃO-VERDADEIRO, sim uma realidade que não é óbvia. Tampouco é uma releitura artística da realidade -- ou das realidades... -- que identificam como FALSO. O surrealismo identifica o fantástico no quotidiano e o evidencia. A surrealidade precisa antes de tudo ser realidade. Não se confunde com a irrealidade ou com a loucura. Ao contrário, é preciso ter extrema lucidez para enxergar algo mais por sobre aquilo que todo mundo enxerga mas ninguém vê.

É isso.

São Paulo - 25 07 2018


Ubi caritas est vera
Deus ibi est.


 
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RicardoC
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