Silvestre quer saber
porque razão eu estrago o português
escrevendo palavras que nem há.
Não é a pessoa que escolhe a palavra.
É o inverso.
Isso eu podia ter respondido.
Mas não.
O tudo que disse foi:
é um crime passional, Silvestre.
É que eu amo tanto a Vida
que ela não tem
cabimento em nenhum idioma.
Silvestre sorriu.
Afinal, também ele já cometera
o idêntico crime:
todas as mulheres que amara
ele as rebaptizara, vezes sem fim.
Amor se parece com a Vida:
ambos nascem na sede da palavra,
ambos morrem na palavra bebida.
MIA COUTO, escritor de Moçambique, no livro "Cidades, idades, divindades"
Fotografia: Flavio Brandão