És a mão com meios dedos
que faz inveja à serrelharia.
Já não há para ti segredos,
dias quedos, como se faria
isso que fazes; com ledos
e tristes acertos e erros, fia
o desafio da trama. Enredos
cheios de rugas, dia-a-dia.
És uma mão cheia de cortes,
de acrescentos criados a sós
orando por melhores sortes,
por um lugar distinto para foz.
E a cada cabo mais fortes,
sem tormentas, cascas de noz,
ficam os meios-dedos. Nortes?
para os que cá vivem sem voz.
Mas de que vale essa mão,
se o futuro tudo consome?
E as rugas e o engenho, então?
Basta um botão que os tome?
Quem carregará nesse botão;
ele não se cansa, ou passa fome!
Pão, não! Nada sabe da missão,
apenas uma: acende-se e some.
Segue cego um somatório certo,
sabe muito mais do que sente.
Igual, menos no longe e no perto,
mas fica em aberto que o tente.
Tentará fazer e desfazer coberto
de remorsos, como faz a gente?
E orgulho, verá beleza num deserto,
terá ideias suas na sua mente?
És mão, criatura digital de natura,
aperfeiçoada por íntima selecção.
Que o próprio fim crias na procura
de mais e mais tens, a extinção.
Animal extinto, nada sempre dura,
mas lembra-te que está nessa mão,
olha-a, mudar para uma mão futura.
Dar as cartas para a nova geração...
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.