Em alguma vida fui ave.
Guardo memória
de paisagens espraiadas
e de escarpas em voo rasante
E sinto em meus pés
o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta.
Liga-me à terra
uma nuvem e seu desleixo de brancura.
Vivo a golpes
com coração de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra.
Guardo a pluma
que resta dentro do peito
como um homem guarda o seu nome
no travesseiro do tempo.
Em alguma ave fui vida.
Mia Couto, escritor moçambicano, Lembrança Alada, Em ‘Idades Cidades Divindades, 2007’.