Ode à mamãe
I. Teus sentidos
Doce murmúrio aflora
Em teus secos lábios
A canção que outrora
Balançou tantos berços
Oras em profundo silêncio
Imagem que lembra o filho
Tomado pelo mundo cruel,
Tua eterna criança, teu mel
Em tuas mãos delicadas,
Surgem implacáveis marcas,
Onde passearam mil afagos
E jorraram carícias brandas
Mãos calejadas, vívidas,
Na razão de criar, cálidas
Levam sempre, calor e alento
Na fria madrugada de inverno
Em teus olhos cristalinos,
A expressão terna e forte,
Nas telas que nos labirintos
De minh´alma, tu pintaste
Foram lágrimas vertidas
Por dores e angústias,
Rolaram e deixaram sulco
Para sempre em teu rosto
Em teus ouvidos atentos,
O hábito de escutar o choro,
À noite, em gritos e soluços
Alertavam a cólica, o enjoo
Terna, paciente, ao colo levas,
Abnegada e radiante presença,
E ninas, proteges, cuidas,
Amamentas, dás segurança...
Em teus braços, seguro porto.
Abre-se a fortaleza secreta,
Suave jeito de tua acolhida
Para que teu indefeso rebento
Supere o medo de vencer
Ignorados caminhos, destinos
E, por fim, a tomar de teus braços
A própria razão de ser, de viver...
II – Tua Lembrança
Terna lembrança na minha tarde
Cruza meu caminho, passam nuvens,
Gaivotas são pensamentos errantes,
Gravitam na mente do filho distante,
Náufrago sou dos próprios sonhos
De conquista, em lugares estranhos
Urge tocar a terra firme, oh bússola
Alcances a minha nau-materna...
As ondas agitam as marés,
Nada do farol, só sinalizadores
O luar se recolhe, está encoberto,
Nuvens de tempestade no porto
Na turbulenta e sombria noite
Tua cantiga do sol ouço ao longe
No ritual da queima dos ramos
Para acalmar a mente e os trovões
Ali, longe da terra natal, sinto
Um toque terno e sublime
Como um leve soluçar no frio
No balanço que a noite trouxe
Na amargura desértica,
Brota uma esperança,
Eis que tua mão me enlaça
E envolve (de novo) tua criança
Sofres, mas ainda ninas,
Sonhas, pensas, oras
Acalantas ainda tuas crias
Procuras nas cestas, redes...
Berços que o tempo célere
Tomou em um tapete árabe,
Jamais será apagada, esquecida
A chama que acende(u) tua vida...
Que tu já não percebes eterna criança
Que sopraram as velas do sono
E apenas a tua canção de esperança
Segue através da noite mar adentro...
AjAraujo, o poeta humanista, poema escrito em 1979, em homenagem e com saudade imensa de minha mãe, Eutália.