Não sou ovelha, nem negra que se tresmalha,
talvez intratável bode, sem escarpas, longe de pasto.
As memórias de que me gasto, são do não.
Dessa montra do contra que nada aceita completo,
nem em metades, ou dízimos.
Na calma d'insecto
digiro o sangue do pensamento crítico, da opinião.
Oiço as vozes que me ditam o incerto planeta
em que rastejo e voo com o mesmo fulgor.
Ali com mágoa, cá com calor.
Estranho o meu fato de um.
Um estranhar que me comove, incomum e banal
e eu que luto, insano, em força, bruto, pra ser igual.
As cascas das árvores, as vertigens do penhasco,
o verde-seco do céu avariado de pôr ou tirar sol,
o ar puro do ar. São prazeres simples, dores texteis.
Sou, no emaranhado das solidões, réu; enclausurado
a céu aberto, fechado no fundo do mar vivo.
E como peixe sem cardume, sem brânquias, sem cor, com a massa flúida e espessa das águas
doces e salinas que não bebo nem respiro,
ingiro um pouco mais de medo.
Temo o desapego que adivinho perto. Desligado
do querer, do mais, do além, das rameiras
dos ramos mais longe da girafa que sou, menos
nas manchas. Esticando mais e mais o limite
da beira da beiça esfaimada.
Fugindo do menos,
do aqui e agora apenas.
Sem dor.
Não querer é nada.
Nada veio cedo, e foi-se-me esguio,
dentro desse menos que me medra; sei
ser meu.
Serei paz,
um bode de guerra.
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.
O nirvana é um conceito apresentado pelo budismo, filosofia que aprecio, impossível de alcançar.
A sua tradução é " a extinção do fogo" e determina que a ausência de querer é a chave-mestra para o equilíbrio e para a completude.
Essa iluminação é acompanhada por um bem estar de excelência.
Buda foi um dos poucos que o atingiu.
Muito haveria a falar sobre o budismo, mas creio que eu, como tantos outros, não vou poder atingir o nirvana...