Contos : 

O Andarilho das Estrelas

 
Um dia acordei...
Era um dia claro, de sol brilhante como prata polida. Estava de pé na janela, uma tênue névoa cobria tudo. Havia algo diferente no ar, uma sensação de estar sendo observado, misturado a uma sensação de estranha familiaridade e intenso alargar de fronteiras. Minha cabeça parecia um balão que fora inflado até o teto, e outros pensamentos invadiam os meus. Tive imediatamente um nível de conhecimento que me davam vertigens.
Ali, em frente a janela, olhando lá para fora, eu sabia que outra parte de mim ainda dormia na cama. Eu era dois ao mesmo tempo! Um na cama, outro na janela. Seria um modo interessante de se viver. Duas consciências dividindo um só mundo.
Então eu acordei, de novo... Agora deitado na cama, olhando pro teto, encantado e surpreso. O mundo ficara mais pobre, e na verdade acho que não tinha acordado de novo, mas dormido...
Mas não acabava aí. Outras sensações de expansão viriam, e a palavra cabeça de vento nunca faria tanto sentido. Caí numa imensidão azul uma vez. Não dá pra descrever aqui. Imensidão e azul é o que tenho de mais próximo para expressar. Olhei pra cima, era a Terra. Ela não era maior que o teto de um quarto, mas eu via claramente o recorte do continente espanhol, alguém apontava pra ele e me dizia alguma coisa. Então a Terra girou sobre minha cabeça, agora era o Japão que eu via.
Fui para um cemitério imenso! Não acho que seja aqui neste mundo. Era mais como uma imensa fortaleza, lá na frente, na encosta de um morro ou montanha. A sensação de medo me era clara, quase tátil. Essa imensa fortaleza era cheia de areia por dentro, como areias de um deserto. Pessoas estavam enterradas lá até o pescoço ou cintura, achando-se mortas, tanto que estavam se decompondo, derretendo-se mesmo. Eu pegava algumas pelo braço e tirava da areia, só disso eu me recordo, disso, do medo, e da imensidão daquele lugar. Voltei lá outras vezes, em outras ocasiões, naqueles sonhos que sempre se repetem.
Fui para o leito de um mar tão revolto e imenso, que as ondas pareciam ter duzentos metros de altura. Nada nessa terra é tão real quanto aquele mar. Era ameaçador,e eu o vi inundar o mundo.Até hoje posso ouvir o barulho do quebrar de suas ondas.
Também fui parar no alto de uma cordilheira de montanhas magníficas, foi a melhor sensação que já tive. Mas lá ao longe, num vale, erguia-se sozinha uma IMENSA e solitária montanha amarela, e eu tinha medo de olhar diretamente para ela.
Hoje sei que essas paisagens só existem dentro de mim. Era uma forma de comunicação, não devíamos pensar que a comunicação se restringe a apenas palavras faladas e escritas. A comunicação é muito mais rica e abrangente que isso. Muitas coisas são ditas para a gente no decorrer do dia, e poucas veem por meio de sons ou símbolos.
Quando voltei para o meu quarto, ele estava um pouco diferente. Ele muda, de acordo com o meu ponto de vista. Se estou "acordado" ele é de uma maneira, se estou "dormindo", ele é de outra.
A "realidade" sou eu então. São os canais de como percebo as influencias à minha volta. Se estou triste ou agitado, ela se torna revolta como ondas num mar. Se estou firme e tranquilo, ela é uma montanha imponente. Mas às vezes ver o futuro pode despertar-lhe medo.
Existe uma metáfora escrita há muito tempo num conto antigo chamado Odisseia. Fala sobre as sereias, e o magnífico canto delas. O canto encanta, daí a palavra "encantador". Não há como não segui-lo, mas elas são enganadoras hábeis. Pois assim que chegar até as sereias, vai ver que elas na verdade não são tão belas quanto pareciam, e se tiver sorte, será escravo delas. Essa metáfora traduz-se em "canto das sereias", que quer dizer, enganação.
Acho que você cresce, quando perde a inocência e aprende a não ser enganado. Talvez a jornada do homem neste mundo deva ser aprender que muitas coisas podem enganar. Menos o que vem de dentro. Pois é lá que está o você real. E você é o seu mundo. Como nos sonhos, se você estiver triste, seu sonho será triste. Se estiver feliz, será feliz.
Então agora, por agora, meu caminho tem sido as estrelas.

Percorrendo espaços vazios, de distancias azuis incomensuráveis.
Grandes espaços de medidas, cobertos de luzes inefáveis.
Medidas de tempo, que o ar suspende sobre abóbodas circulares;
Ideias que o vento varre subindo sempre, até órbitas estelares.

Coisas vãs divagares sentimentos, histórias contadas, no vento.
Que o chão sustenta, prende e eleva, além dos ares, e do tempo
De tantos sonhos, luares e aqueles suaves pressentimentos
A alma de si mesma se eleva, em doces lampejos dos melhores
sentimentos.

Nas ondas suaves deita, como nuvens no céu e do material de que
são feitas;
De tanto vê-las me arrebento, como as ondas, onde o mar se deita.
Suaves e frias no relento, no mesmo leito que sustenta as areias;
Onde a realidade não passa de um canto, de suaves e lindas
sereias.


j

 
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London
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