D. Clotilde dos brasileiros era aposentada há quinze.
Não vivia na Damaia-de-Cima, morava. Sempre fôra pacata, fiel ao defunto esposo e a si mesma.
O filho chegara aos sessenta e, para seu desgosto, divorciou-se. Tinha maus vinhos o rapaz.
A neta persegui-a na adoração, contudo desde que se casara e tivera a primeira prole, ficara um nadinha mais distante.
No ano em que os brasileiros foram viver para o seu prédio começou a frequentar o café do senhor Zé.
O corrimão puído, que dava acesso ao seu terceiro andar, fazia lembrar certas carecas de anos e os degraus escorregavam como gelo à limpeza semanal.
Ao segundo lance já suspirava do esforço, impaciente.
O parvo do filho do senhor Zé insiste que os brasileiros já sairam há anos.
Mas só ela sabe.
Ela adivinha-os detrás da porta do andar em frente, congeminando, como de costume, mais um roubo. Da última foram as toalhas do banho. Estimara-as por quinze anos.
Ou as suas cuecas sem moda.
Sabia, inclusivé, que lhe tiravam, sem ela saber, mas sabendo, um quinto de detergente da loiça Fairy (já agora Fairy, em inglês é fada!!).
Exasperado, ao balcão aos trinta e sete, o primogénito do Le Petit Café, tentava por teimosia chamá-la à razão.
Medrosa, saía pé ante pé de casa para que não vissem.
Bebia o galão escuro e quente devagar. Ficava horas naquilo, com mais pavor da solidão seca, que só combatia com brasileiros imaginados na sua mente cheia de preconceitos.
Quando chegava ao trabalho e a via aiava, intranquilo. As estórias repetidas da velhota preocupava-no e simultaneamente, aborreciam-no.
Como quando eles saltavam janelas para chegar à sua, missão impossível, já que ficavam em lados oposto do edifício.
Ele provocava-a, para afastar a solidão que apenas os filhos lhe partiam.
O divórcio parecia ser o mais comum.
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.