AURA EXTENSA (sextilhas)
Estender-se no que se tem
Faz um homem maior do que é --
Quer lança que estica além
O braço e mais longe até;
Ou alavanca que, com fé,
Movesse o mundo também.
Assim, n'aquilo que se usa
Todo ser s'estende todo:
É cheiro que impregna a blusa;
É calor em pleno denodo
A arder em torno, de modo
Que a aura nas armas inclusa!
Como se a pessoal energia
Em vibrações oscilantes
S'expandisse, todavia,
Pelas coisas circunstantes
Para além do que eram antes
Pois pessoais em demasia.
Visto demasiado humanas
As coisas depois de usadas:
Se a princípio mundanas,
Pelo corpo desgastadas
São enfim humanizadas
À luz d'auras soberanas.
É chamado de "aura extensa"
Este estender-se do ser
Nas coisas a que dispensa
Um extremado prazer
Ou as agruras do afazer
Por sobre a matéria densa.
O imaterial na matéria
Como restos da existência,
Sua opulência e miséria
Confessa na permanência
Uma presença na ausência
Durante a ação deletéria.
E a vida que ali resiste
Depois que a vida se deixa
É a memória que insiste,
Indiferente da queixa
Que em meio às flores enfeixa
Lamúrias d'um luto triste.
É a verdade da vida
Que se nega ao vão d'Olvido!
É, talvez, a despedida
N'um detalhe percebido
Pelo coração partido
Diante de sua partida.
É a luz que permanece
Depois que o sol já se pôs.
E, pouco a pouco, anoitece
Nos versos que se compôs
Quando -- filhos, pais, avôs... --
O homem dos homens esquece.
É, enfim, tudo que se haura
Expresso em luz e revolta,
Enquanto a mente desaura
N'um clarão à sua volta
O ser que de si se solta
Quão extensa for sua aura...
Betim - 16 04 2018
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.