Escrita em diminutas e floreadas letras de um calígrafo sem igual, imortalizada na rude e antiga casca de um salgueiro imortal, jaz à margem de um rio caudaloso e abnegado, numa cidade de sonhos que eu nunca deveria ter deixado...
A lenda de um tocador de flauta que vivia na lua. Claro, e assim como ele, a sua flauta não era qualquer e nem nua. Que ao tocá-la trazia de volta as mais queridas memórias, materializando-as seja de vida, de morte ou qualquer outra história...
Quando a lua estivesse suficientemente perto da terra, ele aparecia sem necessitar de espera, e dessa forma escondia, pilhava e roubava, o que melhor havia no coração, na mente e na memória de quem guardava...
Naquelas singelas linhas um conto falava... de um príncipe amargurado, cujo destino implacável num remoto e triste passado, deixou-lhe mesmo em terra um naufrago, quando perdeste a sua delicada princesa nas águas gélidas de um lago...
Numa torre trancou-se para não mais sair, mesmo que passasse os tempos e as eras e o mundo cair, ou até perder-se no centro mais escuro da alma em desarranjo, ou até que dos céus com ela descesse um Arcanjo...
Ele não mais se alimentava, nem via a luz do sol e nem a das estrelas. O rei - bondoso pai - não podia, ver mais seu filho triste por não mais tê-la... Que a sua vida dedicou na ingrata busca, pois o seu filho muito queria, de encontrar o mágico flautista que na lua vivia...
Pois que a doce música que a sua flauta exalava, trazia de volta todas as lembranças que no fundo estava. Já que o coração de todo e qualquer um que for, esconde sempre a razão de uma dor, ainda que essa razão seja o próprio amor...
E assim, quando estava cheia no céu, subiu o rei a montanha dos pássaros em meio a um grande escarcéu... Pois até mesmo as aves sabiam, bem no fundo, que a lembrança de sua princesa poderia trazer de volta o príncipe a um novo mundo.
E lá ele o encontrou - numa casa invisível - dentro de uma janela muito alta, o estranho homem travestido de luz e a sua flauta. O rei, ao homem misterioso contara tudo, e ele atentamente ouvia... E mesmo sendo ladrão de lembranças, sabia, que pelo amor todas as coisas faria!...
Por ser um homem bom, o rei desceu o homem de sua janela, sob a luz das estrelas caminharam eles por ela. E jamais seriam os mesmos os tristes portões do castelo, quando o homem da flauta e a sua música trouxessem de volta tudo o que um dia foi belo...
Ao tocar a sua flauta, o homem da lua fez reaparecer, para todos aqueles que o podiam ver, a lembrança dos dias mais alegres que aquele castelo pôde um dia ter...
A sua singela flauta era uma orquestra inteira! E a imagem da princesa desceu as escadas faceira... como ainda fazia nas lembranças de todos ali, e a sua voz ecoou pelos corredores, como se jamais tivesse partido dali...
Sob aquela linda e suave música, que a todos arrebatara sem exceção, a imagem do príncipe e da princesa dançavam sob a cúpula do saguão!...
Foi a lembrança de um baile, há muito acontecido... e que mesmo escondido no fundo, o príncipe jamais havia esquecido...
Ao ouvir da música e os risos, e reconhecer dentre eles o de sua amada, o príncipe verdadeiro abriu as portas que há muito estavam fechadas... De lá saiu com os olhos brilhantes e cheio de vida, e as sombras mais escuras do castelo foram para sempre removidas...
Hirto e imerso naquele mar de lembranças, em meio a tudo o que via e ouvia, notas como águas límpidas passavam por ele, que o príncipe chorou de alegria....
– Como pude estar tão triste, se vivi momentos tão maravilhosos? –
perguntou a si mesmo em soluços chorosos...
Cheio de gratidão, o príncipe ofereceu ao homem da lua as maiores glórias que um ser humano poderia sonhar... De todos os reinos do mundo, passando por montanhas, por vales e até pelo mar...
Mas o homem da lua era tudo, menos humano, e ele não desejava glórias e nem riquezas, e o que ele realmente queria era que o príncipe largasse tudo e partisse com ele, para realizarem juntos semelhantes proezas...
Pois no mundo haviam muitos corações tristes, que a sua flauta poderia apaziguar, e o príncipe seria agora a sua companhia, para que a solidão junto a ele e sua flauta, não tivesse lugar...
O príncipe então concordou, pois era um bom homem, e estava realmente grato... O príncipe passara no teste... Pois o homem da lua podia ser tudo, menos solitário, e isso era um fato!
E então, o estranho visitante, vendo que havia de fato amor e generosidade no coração daquele jovem um dia ausente, tocou uma música que jamais seria esquecida por nenhum dos mortais ali presentes! E que tão pouco seria repetida, nem pelo mais hábil dos artistas...
Uma singela janela, como folhas secas das alturas desceu, e de dentro das suas paredes invisíveis a jovem princesa apareceu - não mais uma simples e ilusória lembrança - mas sim radiante e cheia de pujança!
Um abraço muito esperado os dois uniu, e daquele dia em diante, sob um céu aberto colorido de azul anil, prosperou o reino mais feliz que alguém um dia já viu...
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