Luís.
Estou agora, a ver a minha mulher enrolada com o nosso filho nos braços, na escuridão da noite, com uma pequena brecha da janela que ilumina os seus rostos na pacificidade do que é um sono sem sonhos. Já há muito tempo que não sabia o que era dormir em condições. Acabava por me deitar no meio deles, a vê-los a dormir, e a pensar, quando seria a última vez que isso aconteceria.
O pensamento começou a fazer-se frequente quando soube que estava prestes a morrer.
Tudo começou no dia de nascimento do Carlos. Estava ao lado da minha mulher, Sofia, a vê-la apertar a minha mão, a dizer que também devia partilhar um pouco da sua dor comigo, sendo que o filho era dos dois e não era justo ser só ela a sofrer. Nunca pensei que um momento pudesse ser tão mágico. Vê-la com aquele brilho no olhar, aquele sorriso maternal, á espera de ver o fruto do nosso amor nascer. Mas a dor vacilante veio. O suor frio percorreu-me a testa, e senti por um momento, que o chão debaixo de mim tinha desaparecido. O sangue simplesmente parecia ter-me congelado nas veias.
Despertei mais tarde num quarto demasiado luminoso, ou talvez para mim, já que tinha passado praticamente o dia todo inconsciente. Tentei sentar-me, o que não foi difícil, e o momento anterior, parecia nunca ter acontecido. Não havia dor no coração, não havia aquela mão que parecia querer esmagar-me o peito. Quando olhei para o lado vi um médico. Odeio médicos. São tão sérios, e nunca sabemos o que verdadeiramente nos dirão, com aquele olhar imperceptível.
- A Sofia? A minha mulher?! - fiz menção de me levantar. - Correu bem o parto? E o meu filho? O Carlos? Ele está bem?!
- Senhor Luís, temos de conversar. - temi o pior.
- Oh não, o Carlos, a Sofia! - passei as mãos nos cabelos sem saber o que fazer. - Tenho de vê-los!
- Não se preocupe, teve um menino saudável, e a sua mulher agora está a descansar. - viu a pousar a mão no meu ombro, e isso fez o meu corpo tremer. - Temos de falar sobre si.
- Sobre mim? - encarei-o. - Não sei o que se passou lá dentro, mas, deve ter sido da emoção, uma quebra de tensão, acabei por desmaiar e…
- O senhor está doente.
- Doente?! - não estava a gostar do rumo da conversa. - O que é que se passa comigo?!
- Não é consigo. - suspirou. Afinal o caso era sério. - É com o seu coração.
- O meu coração? - acabei por perguntar, mas desta vez tentado mostrar alguma serenidade. Aquela pacificidade de quem sabe que vai ouvir o que não quer.
- O seu coração está doente, senhor Luís. - olhou-me de frente. - E temo que não há nada que possamos fazer.
Sabem aquelas alturas em que queriam que o Mundo vos engolisse? Eu era tão jovem ainda, como poderia sofrer do coração? Como?! A minha vida estava apenas a começar, e de um momento para o outro, estava a vê-la a terminar, somente por causa de meia dúzia de palavras. E de um maldito coração que queria terminar comigo.
- Disseram alguma coisa á minha mulher? - não consegui olhá-lo naquele momento, se não apertar os lençóis por entre as mãos.
- Não, não lhe dissemos.
- Quanto tempo me resta? - não queria saber o nome da doença, os seus precedentes. De que me serviria?
- O próximo ataque poderá ser em breve. - silenciou-se uns segundos para conseguir digerir. Ou eu quis crer que era essa a sua intenção. - Só não sei com que precisão. - a voz soava mecanizada quando tudo o que eu queria era uma voz reconfortante a dar-me esta terrível notícia e não este desconhecido. Podia ser que ressoasse menos doloroso.
- Não há hipótese de um transplante? - voltei-me finalmente para ele com uma réstia de esperança.
- Não conseguiríamos encontrar a tempo alguém da sua estatura, da sua idade, e do seu tipo de sangue tão depressa. A lista de espera é enorme. Lamento muito.
Nesse momento percebi que antes de aquele homem ser médico, era humano. Assisti como ele se levantava e dava-me uma palmadinha nas costas, saindo depois, do quarto. Contemplei como uma aura do meu presente, do meu futuro, á volta daquele sujeito, que acabava de me tirar a vida sem ao menos ter partido desta ainda.
Aproximei-me da cama com passos silenciosos. Desta vez não me deitaria no meio deles. Se tivesse de morrer, então eu próprio, conseguiria um pouco de dignidade, tirando a minha própria vida. Já que não tive hipótese de escolha, ao menos, que a minha morte, fosse á minha maneira, mesmo que soasse ridícula e infantil. Baixei-me á altura dos seus corpos e senti o ar quente no meio deles. Depositei um beijo leve na testa da Sofia, e do meu pequeno Carlos. Deslizei as mãos pela cabeça de ambos tentando eternizar aquele momento.
- Amo-vos. - foi tudo o que consegui dizer quando comecei a sentir a voz tremer e as lágrimas cair.
Sai do compartimento dirigindo-me ao banheiro. E, antes que perdesse a coragem, agarrei em vários frascos de comprimidos e fi-los deslizar para as minhas mãos, enquanto estas tremiam. Por fim, as mãos estavam cheias daquelas minúsculas esferas. Pareciam um arco-íris. Dirigi-me para as escadas, descendo rapidamente. Iria pegar no carro e partiria para um lugar qualquer. Não queria que a minha mulher me encontrasse estendido no chão de manhã.
- Luís, o que estás a fazer? - a voz aflita fez com que alguns dos comprimidos caíssem ao chão. Voltei-me e vi a minha mulher pálida. - Estiveste a chorar?! Não te senti na cama e pensei que… - abanou a cabeça. - O que se está a passar?
Fui tão covarde que não fui capaz de contar á Sofia. Queria passar o resto dos meus dias a proporcionar-lhe uma alegria plena, e não deixa-la a pensar a todo o momento, quando é que não estaria aqui. Só que agora, vê-la daquela maneira, fez-me arrepender amargamente, de não a ter preparado para a minha inesperada partida. Eu próprio não o estava, mas sei que quem ficaria a sofrer aqui era ela com o Carlos. Não me restava escolha agora. As palavras seriam duras como pedras e não tinha outra maneira de lhas dizer.
- Sofia, amor, eu….
- Porque é que não me contaste Luís. - a voz embargada em lágrimas. Não era uma pergunta, era uma afirmação. - Não precisavas ter de passar por isto sozinho.
- Então tu… - ela corto-me logo de seguida.
- És sempre o mesmo desarrumado. - deu uma gargalhada triste, passando as costas das mãos nos olhos que não cessavam de chorar. - Eu vi os exames que fizeste, e o resultado que estava escrito. - os lábios tremiam.
- Amor, eu não queria, eu lamento imenso. - aproximei-me abraçando-a. Queria tirar-lhe toda aquela dor.
- A culpa não é tua. - apertou-me a camisola. - Só não queria que me tivesses posto fora disto. Lembraste dos votos que fizemos? - passei as mãos pelo seu rosto molhado. - Era na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. - chorou compulsivamente. - Não quero que morras.
Suspirei e deixei-a aconchegar o seu corpo junto ao meu. Até a minha mulher aparecer os meus sonhos eram a preto e branco para ela depois simplesmente com um toque torna-los num conjunto de mil cores. Aprendi a não depender da sua existência para viver, mas, melhor que isso, aprendi a viver com ela. Ela dava-me força. As mulheres sempre pensam, que nós homens, procuramos alguém como as modelos. A verdade, acreditem ou não, é que preferimos ter nos braços e sentirmos o calor de uma mulher como a Sofia. Adoro a fragrância a baunilha que coloca sempre nos pulsos e atrás das orelhas. As noites que passamos juntos, enquanto ela encosta os seus pés aos meus. Aquele lar que anseio sempre por regressar.
- Vamos viver agora o tempo que temos. – disse por fim, e dei-me conta, que morrer agora, como opção, não era o que queria. – Quero estar contigo e com o Carlos. - segurei nas suas mãos enquanto depositava um beijo nos seus lábios. As coisas pareciam muito mais simples agora.– Amo-vos muito aos dois.
- Também te amo Luís. – segurou-me o rosto com as mãos. – A ti e ao nosso pequeno Carlos com todas as minhas forças. Estaremos sempre ligados um ao outro aconteça o que acontecer.
E naquele momento, senti outra vez a maldita pontada no coração. Tentei manter-me de pé segurando-me nos ombros de Sofia.
- Sofia... – disse com dor. Pareciam agulhas a picar-me.
- Não! Luís! – via estremecer enquanto me segurava. – Aguenta!
Tinha o dobro do seu tamanho, bem como peso, e mesmo assim, via a arrastar o meu corpo até ao carro deitando-me na parte de trás. O resto ao meu redor parecia flutuar, e apesar disso, sabia que ela ia com uma velocidade excessiva.
- Sim? – ouvia ao telemóvel. – Avô, por favor, venha á nossa casa, o Luís sentiu-se mal, estou a levá-lo para o hospital agora, e o Carlos está sozinho em casa…. – acabei por deixá-la de ouvir.
***
Sofia.
Estávamos no final de Maio, e por mais invulgar que o cenário pudesse aparentar, as nuvens carregadas de chuva adensavam-se no horizonte para posteriormente, fazerem-se presentes sobre as nossas cabeças e a primeira gota de chuva cair sobre o solo. Abri os olhos, e não consegui captar nitidamente o cenário que me rodeava, para depois, quando me sentei, o presente cair sobre mim como se fosse um raio.
Os dois veículos comprimidos um contra o outro devido á força bruta do embate. O camião estava com melhor aspecto. E, quando olho para o meu carro, vejo-o como ele foi nitidamente esmagado na parte da frente, como se estivesse dobrado. Corri em direcção a ele.
- Luís! – bati no vidro ao vê-lo inconsciente. Milagrosamente não possuía qualquer arranhão, mas, ao vê-lo inspirar e expirar numa respiração quase superficial fez-me ficar notoriamente alerta.
Olhei para o condutor do camião a sair de dentro do veículo, a passos incertos, com o suor a escorrer pela face. Suspirei aliviada, por ver que a ambulância chegava, bem como a polícia para nos ajudar. Talvez ele já os tivesse chamado. Vi como os bombeiros saiam apressados com as malas, soros, e macas para fora.
- Quantos feridos? – oiço um deles dizer.
- O meu marido, por favor, ele sofre do coração precisa ir urgentemente para o hospital.
- Temos um morto, e alguém a precisar de oxigénio.
- Oh não, Luís! Não podes morrer! – coloquei as mãos na face, chorando tão alto que era capaz de se sobrepor ao som ensurdecedor da chuva. – Façam alguma coisa! Salvem-no! – apertei o ombro do bombeiro.
E foi aí que me apercebi, de que, outra coisa não estava bem.
******
Luís.
Estou completamente perdido. Onde é que estou? Não preciso de ser um génio para me dar conta que estou num hospital. O conta-gotas do soro, a máquina que regista a minha pulsação com aquele barulhinho ritmado. A questão é. Porque estou aqui?
- Luís?
- Avô? - estava encostado á parede. - O que estás aqui a fazer? – olhei ao redor. – O que é que eu estou aqui a fazer?
- Tem calma. – aproximou-se. – Não podes esforçar-te.
Foi então que olhei para o peito. O penso estendia-se pelo meu tórax. Estava tão desnorteado que não me apercebi. Agora sentia-me desconfortável.
- Isto o que é?
- Foste operado. – fez uma pausa. – Tens um novo coração.
- Como assim?! O médico disse que não tinha qualquer hipótese!
- Mudança de planos. – olhou-me pela primeira vez. – Não recordaste de nada pois não?!
- Não. – passei as mãos pelo cabelo. Esforcei um pouco a memória. – Lembro-me de querer… - calei-me. Não queria que o meu avô soubesse da minha tentativa de suicídio. – Espere. – fez-se uma luz. – Como é que você sabia que eu precisava de um coração?
- Só soube quando cheguei aqui ao hospital. O médico explicou-me tudo.
- E a Sofia? Onde é que ela está? E o Carlos?! – foi então que toda a realidade abatera-se sobre mim. – Oh, eu estava com a Sofia em casa e depois senti-me mal. – fiz uma pausa massajando as têmporas. – E depois acho que ela ligou-lhe e…
- O Carlos está bem. – apontou para a alcofa em cima da cadeira.
- A Sofia para onde é que ela foi?
A garganta ardeu-me quando olhei para o meu avô. O olhar de alguém que já viveu o suficiente para conhecer o que era o sofrimento. A melancolia e a tristeza á volta dos olhos escuros. O mesmo desgosto estampando naquele par de esferas quando contou-me que os meus pais tinham morrido. Um dejá-vu que estava a viver. Voltei a ser criança. A olhar o meu avô confuso. A não conseguir compreender aquela expressão. A desejar neste momento não entender aquela manifestação.
- Quando ouvi a Sofia dizer-me para passar em vossa casa. – desviou o olhar. – O ruído que se seguiu era o de um grande estrondo. – aproximou-se da minha cama. Não, não, eu não queria ouvir. – Vocês tiveram um acidente violento. – a mão pousou-me no ombro. – Não sabes o quanto eu lamento. – a voz embargada de tensão e sentimentos compreensivos.
- O que… espera, a Sofia, a minha mulher, a minha Sofia. – a voz não parecia a minha. – Morreu?
- Tem calma, não te podes esforçar, tiveste uma operação delicada. – foi até onde estava o Carlos pegando-o ao colo. – Pensa no teu filho, Luís. Ele vai precisar de ti.
Um ódio contorceu-se dentro do meu peito. Apertei a boca, deixando os meus lábios num fio fino, juntando os dentes, rangendo-os. Senti a revolta, a repulsa, a cólera.
- Não quero ver esse monstro. – a voz suava com gravidade excessiva.
- O que estás a dizer Luís?! – aproximou-se. – É o teu filho!
- Não, não é meu filho! – gritei. Juraria que tinha os olhos raiados de sangue. – O seu nascimento só trouxe-nos desgraça! Trouxe a minha doença! A morte da Sofia!
- Luís…
- Tire-o daqui!
Suponho que falara demasiado alto despertando a atenção de uma enfermeira que possivelmente passaria perto da porta.
- Está tudo bem aqui?
- Sim, está. – o meu avô olhou para o Carlos. – Podia ficar com o menino? Dê-ma alguns minutos com o meu neto.
- Com certeza. – pegou pelas alças da alcofa. – Espero-lhe lá fora.
O silêncio que se seguiu fez o ar ficar pesado. Sentia dificuldades em respirar. Tinha tantas perguntas, e ao mesmo tempo, não as tinha. Queria respostas, mas tinha medo dessas afirmações irrefutáveis.
- O que aconteceu exactamente? – falei por fim.
- A Sofia apareceu em contra mão. – ele encostou-se á parede novamente. – Ela deve ter-se distraído um segundo quando estava ao telefone. O condutor do camião não pôde fazer nada, ele tentou travar, mas já era tarde demais. Ela certamente que não teve tempo de reagir.
Agora vinha a pergunta que me estava a assombrar.
- De quem é este coração?
- Tu sabes que é impossível ter esse tipo de informação…
- Avô, não me minta! O médico disse que não havia tempo de encontrar alguém compatível comigo! Está á espera que eu acredite que por milagre apareceu alguém saudável e que por acaso morreu tendo o seu coração em bom estado para um transplante, e que se encaixava com as minhas necessidades?
- A verdade é que é um milagre. – olhou-me pela primeira vez desde que o meu filho tinha saído. – Nem parece que foste operado. As pessoas normalmente quando fazem transplantes não mostram tanta vivacidade como tu. Há a possibilidade de rejeição, mas, já vi que isso é impossível. Fico feliz por te ver são e salvo.
- Não desvie a conversa… - fiz uma pausa. – Posso estar vivo, mas, a minha mulher morreu. – deixei as lágrimas correr pela minha face livremente. – O que vai ser da minha vida de agora em diante?
- Eu vou ajudar-te.
- Como se fosse tão simples.
- Não estou a dizer que vai ser simples. – aproximou-se de mim cautelosamente. – Mas não me impede de te ajudar. Queres que vá buscar o Carlos?
- Já disse que não quero saber dele! – olhei para o meu avô. – E agora diga-me, por favor, de quem é este coração?
- O da Sofia.
****
Luís
Já passaram dois meses desde que partiste, Sofia.
Estar aqui frente ao cenário que imaginei para mim próprio é doloroso. Nunca pensei que fosse doer tanto. Desde a morte dos meus pais, que percebi, que não podemos ultrapassar a morte de um ente que nos é querido. Só nos resta atrevessa-la.
Quando imagino os meus pais, os meus avôs juntos, sei que talvez nunca voltemos a amar alguém tão intensamente como da primeira vez. Não fico surpreendido com isso, porque sei que é verdade. Todas as coisas estremecem ao pronunciar em silêncio o teu nome no meu coração. Sempre foi assim.
- O que ficou não chega para afastar o frio que deixaste com a tua partida, meu amor. – passei as mãos pela tua lápide.
– Sinto a tua falta.
Restava ao menos alguma coisa de ti. Dentro do meu peito batia um coração que fora teu. Algumas pessoas têm memórias de quem possui órgãos que não são seus. Mas não era um mero órgão. Era o teu coração.
- Porque não falas comigo? – comecei a chorar. – Preciso de um sinal, Sofia. Preciso que me guies.
Como sempre, ficava a ouvir o vento, as flores a sacudirem levemente, levando uma pétala ou outra, a tua foto a sorrir para mim, a tentar ouvir a tua alma. Mas perguntava-me, quanto é que vale uma alma? Talvez tudo, talvez nada, tudo dependia da voz que lhes dávamos.
Agora só me restava viver de suposições. Agora só me restava viver sem ti.
****
Ouvi um choro. Parei e olhei instintivamente para a porta encostada. Conseguia distinguir as mãos pequeninas no ar, em busca de atenção, á espera que lhe tirassem, que lhe salvassem.
Desde que saíra do hospital, nunca mais vi o Carlos. No dia do teu funeral, não fui capaz de me aproximar dele, e desde aí, tem sido sempre assim.
- Avô, o Carlos está a chorar.
Ouvi somente o silêncio. E dera-me conta que era a primeira vez que chamava pelo meu avô por causa do nosso filho. Sempre que Carlos chorava, até mesmo noite dentro, nunca me levantara da cama para ver o que se passava.
Acabei por abrir a porta e ficar uns segundos lá.
Tinha o rosto pequenino lavado em lágrimas. Os olhos abundantes de água que ele mal conseguia abri-los. Aproximei-me e fiquei a olhar. Ele parara de chorar e ficou também a olhar para mim, como se eu fosse um Mundo novo.
Reparei que já tinha mais cabelo e que era igual ao meu, os seus olhos continuam tão azuis desde a primeira vez que os abrira. Estendi a mão lentamente para dentro do berço, e ele começou a gargalhar, segurando-me no dedo, o que me levou a sentir um contacto familiar, o mesmo toque da tua pele. A minha memória foi avivada por momentos entre nós os três. Vi-te a pega-lo ao colo, a amamenta-lo, a dizer-lhe o quanto era importante para ti, como tinhas orgulho em Carlos e em mim.
Foi então que me dei conta o quanto foi injusto. Vi tudo pelo lado acidental, mas a verdade é que não são os factos acidentais que tornam as coisas naquilo que realmente são… são as coisas essenciais.
Podia ter-te perdido, mas ainda restava o nosso amor, que estava vivo não só dentro de mim, mas também diante dos meus olhos.
Levantei-o da cama e encostei o nosso filho ao meu peito.
- Perdoa-me, Carlos. – tentei não chorar frente a ele. – Deves estar a sofrer tanto como eu a morte da tua mãe.
Vi como ele relaxava no meio dos meus braços enquanto o embalava.
O paraíso não é um lugar. Não é no céu. Não é no ar. Estava dentro de mim. E fora também. A essência da vida não é o lugar para onde vamos, mas os pormenores que nos levam até lá.
Sofia, tu és o lugar. Carlos era também esse paraíso.
- A tua mamã, Carlos. – levantei a camiseta onde estava uma cicatriz a atravessar-me o peito. – Está aqui. Podes sempre falar com ela, quando quiseres.
E era verdade.
Estavas dentro de mim.
Para sempre.
Sofia.
Ainda bem que conseguiste entender o que queria dizer-te.
Quanto vale o peso de uma alma?
A voz que lhe damos, mas, não é preciso necessariamente utilizar palavras.
Serias sempre aquele que amaria para o resto da minha vida. E acredita, faria tudo outra vez, e fá-lo-ia voluntariamente ao dar-te o meu coração uma vez mais. Outra e outra vez, porque não há ninguém no Mundo que pudesse cuidar dele melhor do que tu, Luís.
Obrigada por tudo, meu amor.
Estarei aqui de braços abertos para vos receber, e enquanto essa hora não chega, ficarei aqui, a olhar e a cuidar dos homens da minha vida.
Fim.
CA