«Viva a anarquia! Pensamento livre! E dinamite!» - gritou quase sem voz.
Tinha que escapar de si e de todos, com o seu saco às costas. Despedir-se dos pensamentos já sem validade que iam escurecendo após mais um dia de saudades bastardas.
Tremia que a noite fosse manhã e com ela a luz indiferente às gretas, as expusesse às sombras, as ferisse ainda mais.
Era um tempo de remissão de um Dezembro manhã, sem planos de luz, navegava para além dos guardas do Universo, para além dos senhores do medo, pelas imensas esferas transparentes, dentro dos círculos rolantes das estrelas, das amêndoas brancas, das pupilas dardejantes, do absoluto negro,
Ergueu-se, esticou-se, equilibrou-se com ligeireza nas pontas dos pés, deu uma pirueta dentro das asas, em espirais dos véus, nos nimbos das nuvens errantes do incenso, na beatitude interior, na feliz transparência dos vapores de ópio, de éter, de haxixe, de cocaína, oferecidos pelo seu amor.
Libertou-se com lentos movimentos de todos os véus, ouro e cheiros a citrinos frescos, desnudou-se de cortesã, libertou a implacável serpente erecta do círculo das sagradas danças. Viram aquela mulher inteiramente exposta, deixar cair aos pés a sua única túnica diante dos inocentes. E com um salto atirou-se ao mar, ao som vibrante da cítara, dos címbalos tintilantes e nadou, nadou vigorosamente com a cabeça e o busto quase todo inteiro, acima das águas como uma cadela com cio.
Sempre tentara débeis passagens por cima dos abismos, dos vácuos, do nada, que sempre se abriram a seus pés.
Mas as ruínas sempre a perseguiram, afloraram fragmentos, lascas, entre os dedos dissolveram-se vontades e transformaram-se em enxames de cinzas, em poeiras.
Perdeu o poema, a alegria, a pena, ficou apenas a pena de si própria, como quem perde e morre na inspiração nossa do vazio.
E o mundo retorna das profundezas, em cisternas, em labirintos, em figuras “ goblin” e é o medo que prevalece. Adónis morre e a musa tomba.
Foi tomada pela revolta, queria fazer alguma coisa por aquela revolta, passar para o lado oposto da fraqueza, da derrota. Deixou caiu a mascara e a lira ficou muda, segredou frases que lhe pareciam impossíveis e passou ao silencio dos fundos calmos, no seus encantamentos, na abstracção, na sublime ausência ou na falta da razão e do querer que sempre pensou ter, na absoluta indiferença, no replicar cego, na demência quebrou, aniquilou o cru ou o vil ou o nada:
«Maria, Maria, Estás viva!»
E Serafina? – Perguntou.
Ao silencio, êxtase, ao repouso, às acácias de bronze ou de pedra, às lápides, às estatuas brancas devido à lua, ao sono dos justos, às almas perdidas e errantes, aos jejuns e aos que não morrem.
Abanou o portão com a extrema força dos recém nascidos e emergiu.
" An ye harm none, do what ye will "