ELA E ELE – amor em três actos
PROÊMIO
Diante de nossos olhos acontece
Alguma história assim todos os dias:
Ela e Ele compartilham-se alegrias
À medida que um ao outro mais conhece.
Esta história tantas mais parece...
Tanto, que não importam as etnias,
Pátrias, lugares, épocas, poesias
Ou nem sequer o deus de cada prece.
Tampouco hão-de importar que nomes tomem...
Seja Ela mulher; Ele, apenas homem.
Vós-outros os chamais como quiserdes!
Resta, contudo, a vós eu advertir
Que os três actos d'amor logo a seguir
Também repetireis se não souberdes...
* * *
ACTO PRIMEIRO – O enamoro
PRAZER EM CONHECER
Ele vem sem saber para que vem...
Anda tão distraído que por nada
Espera que lhe exista alguma estrada
Para se seguir junto com alguém.
Ela chega sem qu'Ele olhe. Porém,
Quando a vê a percebe inalterada...
Ao certo pensa ainda uma hora errada
Para o querer consigo Ela também.
Ele conversa mesmo sendo em vão
Manter-se longe o olhar do coração
E deixar de qualquer outra esperança.
Ela, por mais sensata, se protege
Por entender que a estrela que lhe rege
Não brilha tanto quanto na lembrança.
* * *
ATÉ BREVE
Caminhos que se cruzam e após vão
Aonde for possível e além ir...
Ele não foi sequer se despedir
Quando Ela partiu com seu coração.
Ela o levou consigo, embora em vão.
Por temer consequências no porvir,
Afastou-se a melhor se descobrir,
Sem saber d’Ele e sua escuridão.
Ele espera; Ela, não. Ou melhor, vê
Cada extremo senão, cada porquê,
Em face já de sua ampla insistência.
Ele, por distraído ou tolo, fala
Ao passo que, atenciosa, Ela se cala
Sem saber que esperar da experiência.
* * *
POR OBSÉQUIO
Ele se derrama em mimos e atenções;
E Ela, entre lisonjeada e reticente,
Confrontando o homem ora à sua frente,
Contesta uma a uma suas ilusões.
Ele responde já não ter opções:
Precisa conhecê-la tão somente.
E se algo acontecer qual tem em mente
Não sofrem eles maiores decepções.
Curiosa, Ela já quer saber seu plano
Apenas a mostrar com quanto engano
Pretendia Ele entrar em sua vida.
Ele se reconhece enamorado
D’Ela e, deverasmente, culpa o Fado
Querer quem a ele tão desconhecida.
* * *
ACTO SEGUNDO – os amantes
ANTEGOZO
Ela já se deleita em tê-lo ao lado
E sente falta d’Ele se se ausenta.
Ele, sempre que pode, se apresenta
À sua porta com ledo cuidado.
Lá chegando, se sente transportado
Ao aconchego que alegre experimenta.
Horas gozosas... Quando Ela o contenta
E às quais Ele, aliás, se fez rogado...
Ele lhe beija as mãos com tal ternura
Qu’Ela enfim se abandona à calentura
De o ter tão docemente junto d’Ela.
Mas sem um mais nem quê, logo Ela chora...
Vendo-a emotiva, tímido, Ele cora
E beija o rosto tépido à donzela.
* * *
TONS SOBRE TONS
Ela chora. Dois olhos d'água ao rosto.
Ele lhe bebe as lágrimas... E sorri!...
Beija-a violentamente aqui e ali
Até da própria dor Ela ter gosto.
Ele toma do cinto ao largo posto
E ata seus pulsos bem junto de si.
Cheira-lhe o pescoço, a colibri...
Após, rasga o vestido descomposto.
Suga faminto, pálidos, seus seios...
Mais torturando-a até sentir anseios:
Faz com que implore ser toda desnuda.
Ele a olha... Ela é mais bela que a beleza!
Vê em seus olhos sós a chama acesa
E afinal a possui, confusa e muda.
* * *
ÊXTASE
Amaram-se em silêncio, sem ousar
Que palavras quebrassem esse encanto.
Ela se arqueia e freme... Cai a um canto
E o abraça forte sem nada falar.
Ele logo a aninha ávido a secar
Aquela última lágrima em seu pranto.
Quando beija seus olhos ao acalanto
De carícia impossível de findar.
Ela reluz igual gema brilhante
Ao palor que Ele exsuda n'esse instante
E molha os lençóis sob o casal.
Ela sorri. Alumbra-se seu rosto.
Ele registra o quadro ali composto
E adormece em seus braços afinal.
* * *
ACTO TERCEIRO – o desenlace
DEPOIS DO AMOR
Acorda co'o barulho do retrete
E levanta, automático, para ir.
Espera que Ela saia para partir,
Despedindo-se pouco antes das sete.
E, na saída, a cena se repete:
Mais beijos estalados a se ouvir!
Ela o abraça, querendo lhe impedir.
Ele a beija, deixando-a no tapete...
No caminho, remorsos e segredos
O acompanham até os arvoredos
Onde tenta ocultar todo pecado.
Sob as sombras, mil vezes se maldiz...
Infeliz por ter sido tão feliz,
Ainda que em lugar ou dia errado!
* * *
ANTES DA DOR
Ela está tão contente! Mal sabe Ela...
Pensa qu'Ele saiu para o trabalho.
Mas volta n'um horário incerto e falho
Enquanto Ela observava da janela.
Passou as horas lívida e singela,
À espera d'um patético espantalho,
Que volta com cara de paspalho
E ainda atucanado para vê-la.
Abre a porta sorrindo e o faz entrar.
Ela procura em vão lhe animar,
A Ele que vai partir seu coração.
Quando sua mudez enfim se impôs,
Percebe o seu silêncio ser o algoz,
Que traz a Ela de volta a escuridão.
* * *
ENTREOLHOS
Ela olha para Ele: Estava arredio.
A conversa sem fio e sem lugar.
Ela o acarinha; Ele a repele ao tocar:
Enquanto o arde d'amor, gela-a de frio.
Perdido o olhar, Ele a olha vazio.
Em si vagou e só foi se encontrar:
O coração, medroso para amar;
O corpo, seco por saciado o cio.
Ela o olha, mas Ele não está ali!
Agora chora quem último ri
E os olhos nos seus olhos não são seus...
Espelham-se sem ver quem bem à frente...
Se impossível dizer que têm em mente
Só o silêncio entreolhos diz -- ”Adeus...“
* * *
EPÍLOGO
Como vos adverti, conto comum
Esse que a vós narrei de amor e dor.
Ide de volta ao lar com mais ardor
Reviver tudo com alguém ou algum.
Se o gozo d'essa vida for nenhum,
Ao menos a lembrança tem valor
D'aqueles que se amaram sem supor,
Que repetissem um lugar-comum.
Assim também amais e sois amados,
Mas vós -- por bem ou mal enamorados
Ou que buscais no amor algum conforto. --
Ouvi, portanto, a luz da narrativa:
-- "Antes morrer d'amor para que viva,
Que avivar o amor depois de morto."
Galileia - 04 01 1994
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.