Nas vésperas de natal, quando costumava chover quase todos os dias, lembro-me da criançada correndo, pulando o muro da minha casa, e me chamando para ir fazer diques na rua a fim de represar a enxurrada. Nada era tão autêntico e espontâneo quanto esse simples ato de amizade. Eu não tinha nada a oferecer a nenhum deles. Não existiam brinquedos que pudessem ser compartilhados, emprestados ou trocados. Todas as brincadeiras eram encontradas na rua, e por lá, deixadas.
Brincávamos pela simples sensação da liberdade e da diversão. E todas as outras percepções eram secundárias ou inexistentes. Você não era escolhido por ser preto ou branco, alto ou baixo, bom ou ruim no que fazia, ou se pudesse retribuir ou não a troca de ser escolhido. Você era escolhido apenas porque você era criança, e crianças precisavam apenas de, crianças.
O mundo, confesso, era apenas aquela rua, e aventurar-se por bairros além do quarteirão era empreender-se numa aventura e tanto, que envolvia a descoberta de novas paisagens e rostos.
Era sim a primavera da existência. E quando encontro crianças pelo meu caminho, costumo desejar em segredo que não cresçam jamais, por dentro é claro.
Sei que muitas pessoas não gostam do natal. Mas isso é porque cresceram e descobriram, entre tantos outros desgostos, que o natal é uma data comercial, forjada e estrangeira. Mas, esqueçam a forma. Natal é a luz e a esperança que eu via luzir nos pisca-piscas, e crescer em frutos na árvore, simbolizado por suas bolas reluzentes. E mesmo no São Nicolau que nunca veio, mas isso não me decepcionou, e nem me fez odiar o natal. Ele vinha para outras pessoas, eu nunca fui o centro do mundo, e o que valia mesmo, era a intenção. Sempre o que vale, é a intenção.
Afinal, as coisas mais importantes de verdade você nunca vê. Costuma passar numa profunda noite escura e perder-se no horizonte, como uma estrela cadente, um trenó, e as preciosas promessas de um certo aniversariante especial.
Mas eu também nunca vi pessoalmente a amizade, o amor, a bondade, não sei com que elas se parecem, mas as sinto dentro de mim. Como senti os presentes que os outros ganharam, como se fossem meus. Seria terrível se todos no mundo fossem pobres e ninguém ganhasse presentes.
Depois de um tempo entendi, que presentes de verdade são aqueles que não podem ser roubados e nem corroídos pelo ferrugem. São tesouros guardados no coração, e no final, creiam em mim, é tudo o que realmente se tem.
Hoje, vejo as amizades artificiais e interesseiras, e lamento por tal sensação. A humanidade tornou-se fria, como os objetos que agora almejam, e os quais lhes governam, sem perceberem. As amizades de outrora tornaram-se apenas mais um rosto conhecido pelos corredores da vida. Não merecendo muito mais do que um aceno de cabeça. Isso não será guardado nos cantinhos mais especiais da alma, e terão sido inúteis, como inútil tem sido o nosso tempo por aqui.
Então, quando começa a chover, viro-me e revivo aquela algazarra de dantes. Quando aqueles meninos e meninas, desinteressadas, vinham bagunçar o meu dia, fazendo com que o terminasse coberto de água, lama e felicidade.
Nunca mais tive amigos como os que tinha aos 12 anos. Meu Deus, e alguém ainda tem?
j